2 em 1: Alerta de Risco e O Silêncio da Vingança
Ação nas principais plataformas de streaming, mas...
Alerta de Risco
“Você não pode resolver tudo com uma faca”, falou Spider (Tone Bell) para Parker (Jessica Alba), depois de esta ir às vias de fato contra o soldado que quis executar os terroristas presos por uma equipe militar em uma missão mundo afora. Na verdade, a cena inicial é uma mera antecipação do tema narrativo de atenção quanto ao terrorismo doméstico e também a informação sobre a ética e habilidade de Parker, que dominou o manejo de armas brancas graças ao pai, que recentemente faleceu depois de um acidente na mina onde trabalhava. É por esta razão que Parker retorna a uma cidade no meio do nada no pretexto deste Alerta de Risco - o típico filme de ação genérico, que ascende ao topo do ranking da Netflix sabe-se lá por qual motivo.
Com um roteiro assinado por John Brancato (de O Exterminador do Futuro 3: A Rebelião das Máquinas) e Josh Olson (de Marcas da Violência), e retrabalhado por Halley Wegryn Gross (da sala de roteiristas de Westwolrd), Alerta de Risco é previsível e burocrático da pior forma possível. Quando Parker retorna à cidade, acompanhada do amigo e xerife Jesse (Mark Webber), e o rádio transmite uma propaganda eleitoral do Senador Swann (Anthony Michael Hall), já conhecemos a identidade do vilão com apenas 10 minutos. Não que o roteiro queira fazer mistério, já que Swann e seu filho mais novo Elvis (Jake Weary) andam com um cartaz pendurado no pescoço de “vilão genérico” somente pela forma com que se comportam diante de Parker. A dúvida é só saber em qual time está Jesse, mas nem isto é muito difícil de prever.
As investigações de Parker revelam que seu pai não se suicidou (quem diria, não?) mas que havia descoberto que Swann está injetando dinheiro na campanha política através do comércio ilegal de armas militares para grupos extremistas domésticos. Esqueça os árabes (ou etnias ‘confundidas’ por Hollywood), os soviéticos e os mercenário nascidos no leste europeu, os vilões do cinema de ação contemporâneo são homens brancos que defendem “liberdade, família e fé” e “valores cristãos” para perpetuarem-se no poder, em que pese quem atropelam no caminho. Contudo, apesar de admirar o amadurecimento do cinema de ação nesse sentido, Alerta de Risco poderia dispensar o olhar expositivo e panfletário.
Se por um lado a escalação de Jessica Alba, a filha de imigrante mexicano, já tem valor narrativo naturalmente, o roteiro de Alerta de Risco é repleto de atrocidades, a exemplo da frase de efeito “Por que os políticos mentem tanto?”, antes da cena cortar para ilustrar a bandeira norte-americana. Poderia ignorar o discurso feito pela diretora indonésia Mouly Surya (de Marlina, Assassina em Quatro Atos) caso a narrativa fosse um exemplar digno de cinema de ação, contudo a fotografia de Zoë White e os cenários de Natasha Gerasimova não permitem, na maior parte do tempo, compreender o que acontece no filme porque a maior parte da ação acontece à noite e/ou em ambientes escuros (ex. a mina). A ação é, até mesmo, inassistível em muitas ocasiões, e se não fosse a edição de som, mal poderia discernir o que está acontecendo.
Jessica Alba esforça-se fisicamente, mas lhe falta alcance dramático, enquanto todo o restante do elenco é composto por estereótipos que dispensam maiores comentários. É um filme jabuti, do tipo que aparece no topo do ranking e você não entende bem se foi enchente ou mão de gente que o colocou ali. Prefiro pensar que é culpa do tédio; é mais fácil para o espectador deitado no sofá com controle na mão e celular na outra só apertar o play naquele filme que aparece na capa do serviço de streaming. Foi assim e continuará sendo com tantos mais Alerta(s) de Risco que aparecerem na Netflix.
O Silêncio da Vingança
John Woo retornou à Hollywood duas décadas depois de dirigir Ben Affleck na ficção científica O Pagamento (2003). Agora, com o êxito de John Wick e obras congêneres em um cinema de ação raiz, John Woo pode explorar uma trama a lá Desejo de Matar para apresentar à geração Z a sua assinatura estilística. No roteiro meio piegas, mas direto de Robert Archer Lynn, Joel Kinnaman interpreta um homem de família que assistiu à morte do filho único, resultado de uma bala perdida durante uma guerra das gangues. Irracionalmente, ele corre para vingar-se, até ser alvejado no pescoço, salvo da morte e perder a fala, conservando intacto o desejo de vingança.
É o tropo do cinema clássico de ação: o exército de um homem sozinho, que, motivado por um desejo irrefreável e depois de perder aquilo que mantinha intacta sua sanidade e fé na humanidade, decide praticar o que a polícia não pode fazer em razão do devido processo legal. O Silêncio da Vingança pode até parecer fascista pelo punitivismo e pela etnia do protagonista e dos antagonistas, mas contextualiza a criminalidade dentro de uma realidade de taxa de juros e inflação elevadas, e os efeitos deletérios para o tecido social da fragilização da economia. Além do mais, John Woo enfeia a vingança. É este desejo que o afasta da esposa vivida por Catalina Sandino Moreno.
“Ajude-me!”, suplica o anti-herói.
“Como?”, responde resignada a esposa.
Os homens no cinema de ação - até por uma herança do faroeste clássico - não podem retornar à civilização de onde partiram, sem antes acertar as contas com o lado brutal e desumano. Eles não procuram ajuda, quando muito apenas abaixam as armas diante de aliados potenciais (a exemplo do detetive vivido por Kid Cudi). A ação suja de John Woo é coerente com a realidade do protagonista, que tenta se agarrar às memórias do passado em flashbacks piegas - apesar de bem encenadas, como na viagem ao passado após abrir as portas do carro - e na caixinha de música que o leva de volta à imagem de seu filho. Contudo, à medida que a narrativa avança, o passado distancia-se até o não retorno e os instintos do protagonista capacitam-no a sobreviver à violência ao redor. É um efeito Charles Bronson de desumanização através da violência.
Óbvio que há sempre um rescaldo em que a câmera lenta (somente para citar o traço de estilo mais reconhecível de John Woo) pareça embelezar e romantizar a ação. Mas apenas encarar a forma e ignorar a matança desenfreada é não perceber o quanto são ambíguos filmes sobre vingança. Eles estimulam desejos ocultos até no Papa, que dirá em meros mortais, mas cobram um preço altíssimo dos que acreditam ter o monopólio da vingança. Kinnaman ressalta com eficiência o esforço físico e psíquico da vingança - ainda que sejam raros os momentos em que o personagem está desacompanhado do luto. É até compreensível a problematização de filmes iguais a O Silêncio da Vingança, mas parece que a maioria das críticas ignora que a vingança suga não só a voz - talvez um traço da humanidade na narrativa - mas a alma do protagonista.
A beleza estética é uma assinatura de John Woo, mas será que é mesmo bonito assistir à violência propriamente dita ou esta ‘beleza’ é um espelho colocado diante do público que expurga, pela arte do cinema, emoções e traumas que jamais gostaria de sentir? O Silêncio da Vingança, enquanto abraça o silêncio do protagonista, abraça os gritos que não pode gritar senão pelo ronco do motor do carro ou pelos disparos de sua arma.