2 em 1: Um Lugar Silencioso: Dia Um e A Hora do Massacre
Um pouco de terror na segunda-feira
Um Lugar Silencioso: Dia Um
Demorou, mas finalmente pude assistir a Um Lugar Silencioso: Dia Um, e um elemento extracampo prejudicou a minha experiência no cinema: um casal que considerou uma boa ideia levar o filho (ou a filha) já em idade de caminhar para o filme. Bem, para um filme em que a edição sonora e o silêncio são aspectos cruciais, escutar o balbucio ou o choro de um bebê não contribui em aprimorar a experiência. E antes que digam que os pais também têm direito à diversão, ou que poderiam não ter com quem deixar seu filho, ou que poderiam não ter condições financeiras de contratar uma babá, desculpe porque parecerei insensível: o cinema é uma experiência individual em coletivo, e se o espectador não puder respeitar isso, é melhor não participa desse tipo de experiência.
Bem, até o momento não compreendo porque o subtítulo Dia Um. Um Lugar Silencioso: Parte 2 já havia exibido o antes da invasão alienígena que aprisionou a humanidade em um silêncio indispensável para sua sobrevivência. Além disso, o Dia Um tem somente a duração de um prólogo aproximadamente de 15 minutos antes de retomar a toada da franquia: personagens evitando produzir o menor som que possa alarmar as criaturas. São apenas os rostos que mudam: Lupita Nyong’o, atriz talentosíssima em interpretar com a intensidade do olhar, interpreta Samira, a paciente de um hospital psiquiátrico distante da ilha de Manhattan que parte em uma excursão com os demais pacientes, acompanhada do enfermeiro Reuben (Alex Wolff, de Hereditário). Durante a excursão, a Terra é invadida por alienígenas que aproveitam os sons de Nova York para predar.
Teoricamente, é uma premissa interessante posicionar criaturas sensíveis a sons na cacofonia ensurdecedora da metrópole nova iorquina, porém a direção e o roteiro de Michael Sarnoski (do ótimo Pig: A Vingança) não demora para sepultar essa ideia em direção ao lugar comum da franquia. A invasão em Nova York é só um amontoado de pânico, fuligem e destroços a partir do ponto de vista de Samira. E tão logo a invasão inicia, também acaba, e com esta, os sons urbanos e a premissa. Deste modo, Um Lugar Silencioso: Dia Um é um spin-off com personagens inéditos, mas com nenhuma ideia a adicionar. É uma narrativa insossa que repete a ambivalência dos anteriores: diante da iminência do apocalipse, o desejo instintivo de sobreviver misturado com o desespero de quem poderia abreviar a ansiedade somente com um grito.
É também um filme ‘feio’. Com exceção de ideias pontuais, por exemplo uma onda de nova iorquinos em êxodo, a metrópole em ruínas não é diferente do que o cinema nos apresentou anteriormente. A maior quantidade de criaturas tampouco é sinônimo de maior qualidade. Uma cena me vem à cabeça enquanto escrevo: um plano aberto, em que dezenas de criaturas passam velozmente escalando prédios, e todas parecem se moverem identicamente, como se o supervisor de efeitos visuais só tivesse copiado e colado o movimento de uma. Até a cena ambientada no interior do metrô inundado é menos tensa do que poderia ser.
O que há de melhor em Dia Um é seu núcleo humano. Lupita dispensa comentários, e é capaz criar e desenvolver a protagonista a partir de pequeninas informações havidas no roteiro. Já Joseph Quinn é como um Robert Downey Jr. igualmente carismático não sarcástico. Seu Eric é um sujeito com que o espectador estabelece uma relação com a mesma velocidade com que faz Samira. Falta conteúdo no texto, mas o ator, dentro da limitação apresentada pelo tempo escasso, é também hábil em dar-lhe dimensão além da superfície. Dia Um não tem o terror afiado dos anteriores - quem imaginaria que eu escreveria que a produção sente a falta de John Krasinski - e tenta compensar isto com a humanidade de seus personagens. Não é o bastante infelizmente.
Hora do Massacre
Dirigido pelo coletivo de diretores canadenses autointitulado RKSS - Anouk Whissell, Yoann-Karl Whissell e François Simard -, Hora do Massacre é um terror com conceito e execução diretos e eficientes, propondo, mesmo que marginalmente, um conjunto de boas ideias para o cinema de horror. A história trata do grupo de ativistas ambientais liderado por Ethan (Benny O. Arthur), que se organizam para realizar um protesto em uma loja de móveis que explora a floresta amazônica e destrói o meio ambiente de um número expressivo de espécies. Vestidos de máscaras de animais, eles devolvem com a mesma moeda: invadem a loja na madrugada, apostando na negligência da segurança, para vandalizá-la.
O sexteto não tinha ideia de que, no turno noturno, estaria o segurança truculento e obcecado com caça primitiva interpretado por Turlough Convery. Na invasão, ainda que advertido pelo irmão Jack (Aidan O'Hare), Jimmy literalmente enlouquece, então passa a caçar sem piedade os ativistas. É uma rebelião dos bichos alçada à condição de carnificina dentro de um labirinto - cuja geografia a direção mal estabelece por bem, ou por mal -, sem sermão ambientalista nem construção de personagens além de um mínimo. É um terror que se satisfaz em ser um jogo de gato e rato, uma caça no qual um personagem desequilibrado vitimiza quem quer que invada o seu território.
Onde o filme inova, ou ao menos provoca as chaves do horror? Já é um slasher que dialoga com o momento contemporâneo da sociedade, pela temática ambiental sem dúvida, mas especialmente pela maneira com que os vilões dispensam as máscaras e revelam quem são. Na verdade, quem usa máscaras, na maior parte do tempo, são os ativistas, porque a máscara simbolizaria o protesto pelos indefesos. A ausência dessa também é um símbolo, um de que o mal está à vontade para exibir-se publicamente. É verdade que Jimmy é um caso aparte, e as associações dele no interior de uma floresta são os lampejos nos quais percebemos como a cabeça dele funciona (ou não funciona). Contudo, dá para situar o personagem dentro de um espectro político óbvio - até por oposição a ambientalistas, o que simplifica a tarefa.
Há também uma crítica a um ativismo TikTok, que obtém muitos compartilhamentos, mas pouquíssima ação e movimentação dos prejudicados pela crise ambiental. O filme é um campo de caça, com o número de cadáveres aumentando à medida que a duração (breve) de 80 minutos esvazia-se. Eu só lamento que falte ao trio de diretores um maior domínio da encenação para maximizar a tensão, o suspense e o terror, no lugar de só a ação pela ação.