Diferentemente de horrores clássicos dos anos 60, 70 e 80, A Profecia (1976) é um dos que não me envolve. Tem pedigree e atmosfera, admito, mas é um quase. Mal lembro das continuações - A Profecia (1978), A Profecia III: O Conflito Final (1981) e A Profecia IV: O Despertar (1991) -, da refilmagem de 2006 e recém descobri que houve uma série continuação do original de 2016. Tudo isto para chegar a este A Primeira Profecia que, em vez de atrair a atenção tal como ocorreu com o recente O Exorcista: O Devoto, pôde desenvolver-se de uma forma autoral. É um bom filme, melhor do que a memória que conservo do original.
O roteiro de Tim Smith e Keith Thomas, e depois retrabalhado pela diretora Arkasha Stevenson, tem início com a chegada da noviça Margaret (Nell Tiger Free, de Servant) à Roma, onde será ordenada freira a convite do cardeal Lawrence (Bill Nighy), uma figura paterna. Ao chegar no convento, dirigido com mão firme pela irmã Silvia (Sônia Braga), Margaret cria uma relação de afinidade com Carlita (Nicole Sorace), uma aluna reclusa e problemática não muito diferente de quem era mais jovem. As duas também têm em comum uma imaginação fértil, materializada em visões e ilustrações macabras. Margaret ainda descobre, por intermédio do padre Brennan (Ralph Ineson), um plano conspiratório de uma ala da igreja católica que deseja dar à luz ao anticristo para que a geração contemporânea tenha motivo para restaurar a fé perdida.
Mais do que um plano megalomaníaco de dominação mundial, o de A Primeira Profecia é enraizado na crise religiosa contemporânea transportada aos anos 70. Esta discussão atualíssima é construída de forma lógica dentro da narrativa: se o secularismo separou o Estado da Igreja, excluindo-a do ambiente público, e a juventude deixou de acreditar em deus, então o nascimento do diabo (o anticristo) pode ter a força de restaurar uma ordem de séculos passados e devolver a Igreja à “antiga glória” (bem entre aspas para não correr erro de mal interpretação). Esse pensamento lógico parece ancorar o roteiro em uma espécie de realismo fantástico - que é ainda mais sensível em razão do folclore ou dogma religioso ser tido como verdade porte grande parte do público ocidental - e o torna mais concreto e eficaz.
Ao mesmo tempo, Arkasha namora com a onda de horrores alegóricos, metafóricos ou com críticas sociais, dando um verniz feminista à trajetória de Margaret no interior de uma igreja patriarcal em que as freiras perpetuam a misoginia estrutural, não somente na expectativa de um anticristo do sexo masculino. Este olhar caminha paralelamente à representação do horror cinematográfico, e a diretora é paciente - que quase sempre rima com competente - em construir o susto e sem ter o embaraço de empregar o jump scare pontualmente. Eu, que costumo ser um crítico ao jump scare, que é basicamente a utilização da ansiedade, expectativa e desenho sonoro com o fim imediato de provocar um susto, aqui dou o braço a torcer, pois o recurso não é utilizado gratuitamente nem frequentemente, nem mesmo como muleta para esconder a inabilidade da direção em encenar o medo.
As circunstâncias de A Primeira Profecia são outras. Estamos tão engajados com, ex. a movimentação de uma criatura da escuridão em direção à protagonista, que o susto é somente a consequência material de nosso envolvimento emocional. Arkasha não está disposta a apostar a confiança depositada pelo espectador somente para o manter em estado de alerta, mas constrói sobre essa confiança uma estrutura aterrorizante que, à medida que o tempo passa, aumenta as apostas até alcançar o ápice no clímax. Ela faz isso, mesmo contando com um roteiro de cartas marcadas, no qual já sabemos quem é quem antes de os personagens abrirem a boca, porque não é a capacidade de previsão e antecipação do público que arruína horrores, mas a perda da relação de confiança na direção.
Poderia até argumentar que a desconfiança que temos do instante em que a narrativa inicia é vantajosa, não o contrário, porque o olhar do espectador é redirecionado não à surpresa, mas às contradições encenadas tão bem pela direção. Isto ressignifica muito a identificação com a protagonista e dialoga com os manifestantes nas ruas de Roma e a perda da crença na igreja como lugar seguro e sagrado. A obra, portanto, modifica a fonte do medo: do anticristo à igreja, e isto mudou a minha percepção de uma série de filmes que sempre desconsiderei como mais do mesmo.
Sou capaz até de relevar a necessidade que o epílogo tem de situar a prequel dentro do universo do original com a apresentação de uma fotografia e a pronúncia de um nome com a solenidade esperada.