Eu não assisto a trailers. É um dos mandamentos que norteia minha atividade crítica e uma maneira de evitar criar expectativas, normalmente a origem de nossa frustração e decepção. Aí, em certa cabine, os trailers de futuros lançamentos de uma distribuidora começam a ser exibidos e, pá, lá está Abigail, cuja premissa era irresistível demais para que eu, um fã inveterado de comédias de terror, não quisesse assistir. Ou seja, agradeço aos trailers por ter me estimulado a ir à cabine (ao invés de esperar o lançamento nas plataformas de vídeo por demanda ou streaming).
O roteiro escrito por Guy Busick, de Casamento Sangrento e Pânico VI, do argumento e tratamento de Stephen Shields, apresenta-nos à equipe de sequestradores liderada por Frank (Dan Stevens) cuja missão é raptar a filha de um milionário e exigir o resgate. A equipe é heterogênea: a hacker Sammy (Kathryn Newton), o brutamontes Peter (Kevin Durand), o motorista Dean (o saudoso Angus Cloud, de Euphoria), o ex-soldado Rickles (William Catlett) e a médica Joey (Melissa Barrera, recentemente demitida da franquia Pânico após pronunciar-se favorável à Palestina e ao término da guerra). A equipe foi reunida por Lambert (Giancarlo Esposito) e mal sabia que, na verdade, haviam raptado uma bailarina vampira!
O barato do terror de Tyler Gillett e Matt Bettinelli-Olpin, experientes em combinar horror, gore e nonsense vide o citado Casamento Sangrento, é justamente a personagem título, interpretada por Alisha Weir (de Matilda: O Musical). Abigail é o equivalente à vampira Claudia, de Entrevista com o Vampiro, aprisionada à juventude eterna, embora a tenha transformado em um parque de diversões macabro sob o pretexto de ser uma inocente e indefesa garotinha. A atuação de Alisha é melhor quando o roteiro permite explorar o caráter fingido e manipulativo de Abigail e a forma com que brinca com sua comida, e pior quando procura justificativas para o seu comportamento.
A mesma lógica pode ser aplicada a Joey, personagem do tipo que a mexicana Melissa Barrera interpreta de olhos fechados. Ela é a razão na equipe de personagens tão finos quanto uma folha de papel, mas não leia isto como algo ruim, já que funcionam dentro da arquitetura criada pela dupla de diretores. É da interação do quinteto, sobretudo de Peter - que parece a versão com QI dividido por zero do Drax de Guardiões da Galáxia - que Abigail prepara o terreno para o humor no terror, com fartura de sangue para deixar o Hotel Overlook invejoso. Sem saber se Abigail respeita a lógica vampírica de Anne Rice (autora de Entrevista com o Vampiro), True Blood ou Crepúsculo, a equipe emprega o conjunto completo de Van Helsing, com crucifixo, estaca, alho e, obviamente, a luz solar (cujo efeito respeita o apego da dupla de diretores a ensanguentar suas atrizes).
Tyler e Matt também tem habilidade em passear pelos cômodos da mansão, decorados com predadores onde quer que o olhe bata, e com a biblioteca remissiva do Drácula da Hammer no coração do labirinto. Gosto de como a direção trabalha o cenário e brinca inconsequente e até impunemente com a regra básico do terror, de permanecer juntos, enquanto Abigail dança o lago dos cisnes. Ao contrário, o roteiro cria, recria e descria regras a bel-prazer e parece convenientemente esquecer o fato de Abigail ser capaz de voar quando a personagem mais precisaria disso. Ainda assim, o saldo é positivo, até o terço final pelo menos.
A partir daí, o que era uma diversão despretensiosa se torna em mais um filme em que há uma discussão maior atrás do pano de fundo sangrento. Uma acerca de pais e filhos com mudanças de personalidade e comportamento que enfraquecem, covardemente, a narrativa de um jeito irreformável. É até uma incógnita que diretores que trabalharam a premissa até o limite em Casamento Sangrento possam se satisfazer com o desastre do clímax, apenas, creio eu, por promessas futuras de continuações.