Todos nós temos opiniões particulares sobre os documentários de crimes reais: há quem diga que é exploração da tragédia humana, há quem defenda a capacidade de lançar luz nos contornos mais sombrios da sociedade, há ainda quem conserva uma análise casuística, deixando que a sensibilidade da narrativa seja o meio pelo qual é possível julgar se o documentário é exploratório (todos são, pensando bem, mas em uma medida tolerável).
Eu ainda não parei para refletir sobre em qual categoria encaixo Amante, Stalker e Mortal, que está no topo das paradas da Netflix, mas não parei de pensar em como esse documentário sintetiza as convenções do subgênero, embora renove noutros quesitos. É a história do mecânico Dave Kroupa, pai de família e recém divorciado, que entra em um aplicativo de relacionamentos e conhece a envolvente Liz Golyar. Tempos depois, inicia um relacionamento explosivo com Cari Farver, que some, mas não o abandona: diariamente, manda-lhe mensagens de teor agressivo, stalkeia Liz e sua ex-esposa.
Só que a história tem muito mais pano para manga. E não cabe a uma crítica explorar a história, até porque esta é reprodução de fatos, muitos extremamente simplificados. Não vou discutir spoilers, portanto, mas dois aspectos da produção que me chamaram atenção.
Um deles é a participação ativa, em tempo presente, de muitas pessoas envolvidas e a ausência de outras mais. De certo modo, o documentarista Sam Hobkinson (de “Nova York contra a Máfia” e da ficção “Misha e os Lobos”) joga com o desejo espectatorial de investigar e tirar conclusões com base nas provas apresentadas na narrativa. O ato de trazer depoimentos de pessoas reais envolvidas diretamente no caso - por exemplo, Dave - já permite traçar conclusões. Essa participação engajada do espectador é o que tornará mais recompensador o momento em que a narrativa puxa o tapete debaixo de si, derrubando-o sobre suas próprias convicções e pré-julgamentos.
Não é uma ferramenta revolucionária em documentários, Sam Hobkinson apenas está usando o que existe em abundância, embora retrabalhe a fim de maximizar a surpresa. A sensação que tive é de que o documentário assiste a vídeos do instagram e tiktok, já que até repete a palavra ‘bizarro’, tão comum para chamar a atenção nas redes sociais, e alardeia a presença de plot twist (as reviravoltas). Sam está produzindo uma narrativa curtinha (90 minutos com créditos) para o público-alvo jovem adulto, e fez isto bem.
Um segundo aspecto a ser discutido é a forma como a narrativa lida com suas figuras femininas, e torna, o homem, passivo (brincando ainda com a trilha sonora do clássico Atração Fatal, em que Glenn Close stalkeava Michael Douglas). Com toda a míngua de informações que temos - salvo o momento em que Dave confessa o desejo de bater em Cari, ou de quebrar-lhe a cara, derrubando temporariamente sua máscara -, a narrativa é reveladora de que o comportamento obsessivo e psicopático não discrimina gêneros.
Amante, Stalker e Mortal é do tipo ver para crer qual o limite da maldade e crueldade, e também da manipulação narrativa das provas, já que, diferentemente da vida real, que pegou o embaralho e encontrou uma verdade, Sam partiu de uma verdade e embaralhou para criar um filme.
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