Anatomia de uma Cena: Os Fabelmans

O trem, o medo, a câmera e o controle

Eu assisti a Os Fabelmans durante o Festival de Toronto de 2022, na sessão de estreia do filme no cinema Princess of Wales com a presença de Steven Spielberg e do elenco. Não há palavras que descrevam com aptidão a emoção que senti por estar perto de um dos maiores artesãos da arte cinematográfica. Até hoje, penso em como esta obra, que demonstra tanto amor pela arte do cinema não só da boca para fora mas no fazer, pode ter sido atropelada por Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo na cerimônia do Oscar de 2023.

Bem, a publicação não é um apelo nostálgico, não é um lamento tampouco, mas é uma discussão de como Steven Spielberg abordou narrativa e formalmente o nascimento de seu amor pelo cinema a partir de uma sequência específica de O Maior Espetáculo da Terra (1952), de Cecil B. DeMille.

O primeiro contato de Sammy com o cinema é mediado pela obra de DeMille, na cena da colisão no trilho do trem. A câmera realiza um travelling pela plateia com uma grua, antes de estabilizar a imagem brevemente nos Fabelmans. A partir de então, Spielberg alterna entre a imagem registrada da tela de cinema (a partir de múltiplas distâncias, e inclusive uma em que os Fabelmans são incluídos dentro do quadro e nós percebemos a miudez de Sammy diante da tela), e as reações de Sammy (sim, Spielberg realizou um vídeo react dele próprio dentro da biografia… um danado que saca das tendências).

Aí entra os toques de magia do diretor. Spielberg maximiza, em close-up, o tamanho de Sammy para nós, espectadores, apesar de o garotinho permanecer, objetivamente, minúsculo diante da tela. A ilusão está na transformação da admiração e do fascínio, entrecortado pela ansiedade e pelo medo de Sammy, em matéria prima de cinema, tal como é o roubo do trem e o acidente. Não é o evento propriamente dito que confere à imagem o atributo cinematográfico, mas a forma como o diretor o enxerga.

Isso é importante para a compreensão das cenas subsequentes.