Após muitas colaborações com Liam Neeson (Desconhecido, Sem Escalas, Noite sem Fim e O Passageiro) e algumas com Dwayne Johnson (Jungle Cruise e Adão Negro), o espanhol Jaume Collet-Serra procura repetir a mesma magia de Duro de Matar, com um filme de ação sobre o cara errado, na hora errada e no local errado, capaz de impedir um ataque terrorista dentro do solo estadunidense durante o Natal. Jaume é tipo o funcionário do mês dentro da indústria hollywoodiana: um artista capaz de empacotar narrativas com o papel de embalagem mais atrativo e reluzente, para ignorarmos as suas premissas ou os seus desdobramentos estapafúrdios, com filmes produzidos para consumo imediato - antes de embolorar à medida que pensamos mais acerca de cada um. É a cara de uma indústria de fast-cinema a serviço do entretenimento e, portanto, de uma plataforma de streaming igual à Netflix, em cujo topo do ranking Bagagem de Risco permanecerá por uma ou duas semanas até ser esquecido no meio de tantas produções esquecíveis.
O roteiro escrito por T. J. Fixman (de Heróis da Galáxia - Ratchet e Clank) acompanha o dia de trabalho de Ethan (Taron Egerton), um funcionário da TSA, órgão do governo e que realiza a segurança dos aeroportos. Ele sequer dormiu na noite anterior depois da notícia de que a companheira, Nora (Sofia Carson), está grávida. Entretanto, em vez de a ansiedade estar temperada com felicidade, Ethan apenas lamenta sua carreira jamais ter decolado, muito devido à rejeição no exame admissional da polícia de Los Angeles. Assim, igual a um milagre de Natal (para ele, não para as inevitáveis fatalidades), o seu chefe (Dean Norris) resolve colocá-lo na fiscalização das bagagens, durante um feriado movimentado, o Natal, no mesmo dia no qual um terrorista (Jason Bateman, de Ozark) tenta contrabandear uma bagagem contendo uma arma química em um avião. O filme transpira a inspiração em Duro de Matar, e de certo modo Por um Fio, pois boa parte do filme envolve Ethan obedecendo as instruções dadas pelo terrorista.
Ethan obedece e desobedece na mesma página do roteiro, é punido, ou melhor outros são punidos, em um clima crescente de tensão que parece implorar para que o público não reflita, somente deixe fluir a adrenalina, até o acerto de contas que não é nenhum Hans Gruber caindo do Nakatomi Plaza, mas é satisfatório o suficiente para trazer um sentimento positivo. Eu estaria mentindo se dissesse não ter me incomodado com as alternativas e conveniências presentes no roteiro: um personagem dispara uma arma de fogo no interior do banheiro do aeroporto e nenhuma viva alma escuta os disparos; outros personagens acessam desimpedidamente a área de roteamento das bagagens e não há ninguém presente. E eu já mencionei um personagem que é assassinado e, tipo, a sua morte é solenemente ignorada (tanto emocional, quanto narrativamente)? É tudo para criar tensão, eu reflito comigo enquanto Taron Egerton acelera mais rápido que o Sonic pelos ambientes do aeroporto, mas até a suspensão de descrença tem limites. É aí onde filmes iguais a Bagagem de Risco exibem a incapacidade de alcançar o nível de Duro de Matar, a costura precisa que há entre as ações de Hans Gruber e as reações de John McClane, que não é repetida entre Ethan e o terrorista.
Ainda assim, Bagagem de Risco tem pelo menos um momento memorável, no interior de um carro em alta velocidade em uma rodovia movimentada. No lugar de encenar a ação intercalando tomadas internas e externas, Jaume mantém a câmera só dentro do carro, até o término da sequência. Os efeitos visuais podem até saltar aos olhos - tem sempre um cricri que pega no pé de cenas iguais a essa -, mas considero o resultado o ponto alto de 119 minutos de duração (que parecem mais do que a narrativa precisava). É, pelo menos, a cena em que a direção pode executar ideias originais fora da correria contra o tempo no interior do aeroporto, e até poderá fazer uma narrativa rotineira se destacar.
Isso e também o tema, pois, por mais que os sistemas de segurança sejam confiáveis, haverá sempre uma vulnerabilidade, no elemento humano, que pode ser manipulado, compelido ou ser o coringa que pode salvar o dia. A propósito, que bom que o cinema de ação tradicional abriu os olhos para vilões iguais àquele vivido por Jason Bateman, terroristas domésticos, não externos, talvez o ponto único que Bagagem de Risco pode ostentar em relação a Duro de Matar. Mas já é alguma coisa.
Bagagem de Risco está disponível no catálogo da Netflix.