Baleia no Festival de Cannes

Pobre Telefone

Ou a história da passagem de uma cadela vira-lata caramelo pelo festival de cinema mais importante.

13 de março de 1964. Uma comissão formada no Itamaraty escolheu Deus e o Diabo na Terra do Sol de Glauber Rocha para representar o país na seleção oficial do Festival de Cannes, dois anos após O Pagador de Promessa ter se tornado o único filme brasileiro premiado com a Palma de Ouro.

No pano de fundo, articulações entre o diretor Gustavo Dahl, que morava em Paris na época, e Glauber Rocha para estabelecer a representação brasileira internacional pelo Cinema Novo. A ideia dos diretores era de que a identidade cinematográfica nacional passasse por esse movimento cinematográfico, e o ano de 1964 é importante para isto. Não somente Deus e o Diabo na Terra do Sol, Ganga Zumba, de Cacá Diegues participou da Semana da Crítica, e Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos, foi convidado pelo festival, marcando a tripla participação brasileira em Cannes.

Vidas Secas não deveria ter participado do festival, mas participou no fim das contas, e a exibição na Riviera Francesa provocou reações emocionadas e também enfurecidas, em razão do destino de Baleia. Os extras do DVD de Vidas Secas narram como a equipe descobriu a cadelinha em um mercado local, quando ainda era conhecida como Piaba, e explicam os processos utilizados para que a cadelinha atuasse como se houvesse sido baleada.

Um fio de nylon foi amarrado na patinha de Baleia para simular a caminhada errática após o disparo e efeitos de maquiagem bastante primitivos, combinados com o preto e branco superexposto, criaram o realismo do desfecho. Contudo, uma condessa italiana não acreditou na explicação de Nelson Pereira dos Santos e articulou protestos ao lado da sociedade protetora dos direitos dos animais contra o filme.

O resultado? A criação de uma força-tarefa para levar Baleia do Brasil à Cannes, com o auxílio da Air France, assim provando que a cadelinha estava viva. Abaixo, recortes de jornal da época documentam o ocorrido.

Sabe o mais triste?

O namorado de Baleia, o também vira-lata Telefone, não pode filar uma viagem à França.