Eu devo reconhecer a coragem de Beekeeper em rir da cara do espectador, na maior cara dura, enquanto conserva com a seriedade de Jason Statham o compromisso de levar a sua história de ação até as consequências finais. É filhote do cinema de ação pós-John Wick e Atômica (que nunca recebeu as continuações que mereceu), em que um homem com um conjunto de habilidades mortais e que não tem nada a perder, inicia uma jornada de vingança contra aqueles que o tiraram de sua aposentadoria. Um papel que Jason Statham é capaz de interpretar de olhos fechados, mantendo o semblante resoluto que provavelmente deve ter dissolvido em risos logo depois do diretor David Ayer gritar ‘Corta!’.
“Então quer dizer que o filme é cômico?”. Não, mas abraça o absurdo de sua premissa e suas consequências com uma seriedade que impressiona. Os apicultores descritos no roteiro de Kurt Wimmer (de Salt e Código de Conduta) integram uma organização fiscal da lei, acima desta portanto. São pessoas extremamente habilidosas, de um programa que mesmo a CIA ou o FBI não tem controle, que mantém “a colmeia segura”. Esta é só uma menção, dentre tantas, adicionadas ao roteiro que não tem embaraço nenhum de soltar esta ou aquela tirada relacionando a sociedade norte-americana com a colmeia, e faz isto, inclusive, em um nível visual, pois a direção de fotografia Gabriel Beristain e a direção de arte de Ben Munro amarelam tudo aquilo que podem amarelar. (Mesmo a faixa de isolamento ou o macacão do FBI são ressignificados pelo tom amarelo).
O apicultor (literalmente) Adam Clay (Statham) investe em uma trajetória de vingança contra os criminosos que hackearam as contas bancárias de Eloise (Phylicia Rashād), aquela única boa alma que o acolheu, e levaram-na ao suicídio. Com um discurso em que equipara a violência contra idosos à violência contra crianças, com a diferença de que não há os pais para proteger aqueles, e uma lógica de “certo e errado” equivalente à dicotomia lei e justiça, Adam Clay justifica, ao espectador, em um travelling in (plano em que a câmera aproxima-se em direção ao rosto dele) a sua lógica de mundo. E nós aceitamos com facilidade, porque, dentro de cada um de nós, na superfície ou fundo, existe a disposição de dar carta branca para que aqueles que praticam crimes contra os mais vulneráveis sejam punidos de forma exemplar (especialmente quando enricam mais rios de dinheiro do que já tem, provocando a miséria dos demais como resultado).
A ética de Adam protege policiais (que são “apenas” espancados, arremessados andar abaixo ou alvejados no colete à prova de bolas) em detrimento de mercenários (que são mortos com a mesma facilidade com que Adam infiltra-se num evento organizado por uma das pessoas mais poderosas do país), e dá a oportunidade para que os autores dos crimes redimam-se, enquanto dispara frases de efeito não importa qual seja a situação.
“Eu tenho 28 anos, para que vou precisar de um testamento?”
“Eu vou te mostrar”
O mundo dos ricos é exacerbado na figura do herdeiro Derek (Josh Hutcherson), que anda de skate na empresa que comanda, que emprega barista, sushiman e massagista, e é retratada como um mundo opulento onde a regra é ser Robin Hood às avessas. Os tons néon destoam do realismo do mundo real, do vida no campo e da simplicidade do norte-americano médio. Essa exacerbação pela forma do absurdo entra em combustão com ação, pois, salvo no confronto final, não há viva alma que seja capaz de, ao menos, acertar um golpe em Clay, que parece onipotente e onipresente, uma abelha capaz de estar onde precisa estar.
O acerto da direção do irregular David Ayer (dos ótimos Corações de Ferro e Marcados para Morrer, e dos péssimos Esquadrão Suicida e Bright) é investir em uma decupagem clássica de cinema de ação, e ainda em espaço curtos para que Jason Statham realize os stunts que diferenciam Clay dos demais. Enquanto faz isso, concilia o ‘mundo real’ retratado por CIA, FBI, Swat e Forças Especiais, e o ‘absurdo’, com personagens que parecem saídos da imaginação de um cartunista da Warner Bros.; concilia atores que trazem seriedade ao que fazem (Jeremy Irons, Minnie Driver, Jemma Redgrave) com situações que bebem do extremo (em certo momento, uma personagem puxa a lona da traseira de uma caminhonete para revelar, CLARO, uma submetralhadora que apenas o Rambo conseguiria carregar no braço).
É uma ação aprazível porque mantém a sua sobriedade, enquanto pisca o olho para o espectador. O seu tema é atualíssimo: as mesmas pessoas (as vespas) que fraudam a vida dos mais indefesos são aqueles que financiam as pessoas que criam as leis, no topo da hierarquia da colmeia. E, a despeito da pretensão de filme-B, ou por causa dela, do aceno ao faroeste, em que um estranho restaura a ordem de uma civilização entregue ao caos, e da execução eficaz da ação, é um filme diferenciado e merecedor de nota no gênero.