Antes de definir e exemplificar o subgênero que nauseou e revirou as entranhas do público que foi aos cinemas assistir a “A Substância”, o que é o terror? É um gênero cinematográfico que envolve o espectador a partir do medo, do susto, da repulsa, da angústia etc., emoções provocadas por um monstro (ou “monstro”) ou um outro, um personagem ou criatura que obriga o protagonista e o espectador a encarem o que há de diferente em uma sociedade em transformação permanente.
Todos sabem classificar o terror quando envolve aparições fantasmagóricas, monstros assustadores, assassinos mascarados, demônios e criaturas sobrenaturais, mas às vezes o monstro ou o monstruoso pode estar inscrito na pele. Aí entra o Body Horror, quando a fonte do medo ou da repulsa inscrevem-se a partir de transformações nos corpos dos personagens, na derme, cuja transformação em monstro é tão explícita quanto tende a ser uma espinha que nasce bem no meio do nariz de um adolescente no dia da festa de formatura.
Diferentemente do Gore, cuja preocupação está em exibir as alternativas sangrentas e doentias de destruir o corpo (ex. “Jogos Mortais”, “O Albergue” ou “Terrifier”), o Body Horror está interessado em deformar, distorcer e transformar o corpo em algo grotesco e monstruoso. A fonte do medo e da repulsa é interna, não externa; se os personagens podem fugir de assassinos mascarados, é impossível fugir do reflexo no espelho e que é exibida ao espectador.
O medo inato de sermos menos humanos porque as mudanças em nossos corpos estão nos transformando em monstros; esse processo de transformação pode apontar a crise dos padrões estéticos e suas consequências na autoestima - como fez “A Substância” - ou pode revelar de que modo a ambição ou arrogância humanas brotam na pele, como os cancros e furúnculos que expressam o eu-interior.
Body Horror vem de muitas formas, e trouxe abaixo cinco filmes que exploram o medo inato em um de olhar para o espelho e não enxergar mais quem éramos.
A Mosca (The Fly, 1986), de David Cronenberg
Além de ser o diretor mais frequentemente associado ao Body Horror - uma boa parte de seus horrores refletem a respeito do corpo -, A Mosca é também aquele que vem à cabeça imediatamente. É a história do cientista presunçoso vivido por Jeff Goldblum, que tem tentado criar uma máquina de teletransporte, e, durante um experimento no qual é a própria cobaia, não percebe que uma mosca infiltrou-se no dispositivo. O seu DNA é embaralhado com a da criatura e o cientista começar a reproduzir, na mente e no corpo, a transformação dele em uma criatura monstruosa, “um inseto que sonhou que era humano e adorou. Mas agora o sonho acabou… e o inseto está acordado”.
Tetsuo: O Homem de Ferro (1989), de Shinya Tsukamoto
É para quem tem o estômago forte! Este body horror japonês combina ainda o cinema de maldição, quando um casal atropela um homem e decide esconder o cadáver, para escapar de responsabilização. Só que o sujeito atropelado não está morto e amaldiçoa o personagem interpretado por Tomorowo Taguchi a se transformar, literalmente, em um homem de ferro. O nível de bizarrice pode ser percebido abaixo e, olha, é bem pior do que parece.
O Enigma de Outro Mundo (The Thing, 1982), de John Carpenter
Eu tenho uma objeção em adicionar o clássico de John Carpenter no panteão de body horror, pois quem se metamorfoseia não são os corpos dos cientistas americanos em uma estação na Antártida, mas o da criatura extraterrestre que enfrentam e assume a forma de corpos orgânicos. Ainda assim, existe a componente ideológica em ver estes corpos transformados por uma força alienígena em animatronics monstruosos igual a este abaixo.
Em Minha Pele (Dans ma Peau, 2002), de Marine de Van
Este filme integrante do movimento denominado Extremismo Francês é perturbador, em como a protagonista, que tem um companheiro apaixonado e um trabalho estável, começa a explorar as possibilidades de seu corpo depois de um acidente desfigurá-lo. Masoquismo, automutilação, autocanibalismo, o corpo se torna, de fato, o local onde ocorre um horror extremo e do qual a protagonista é incapaz de escapar, mantendo a sua integridade física e emocional. Marine de Van interpreta Esther.
Doente de Mim Mesma (Syk pike, 2022), de Kristoffer Borgli
Quis trazer um filme contemporâneo para a lista, o norueguês Doente de Mim Mesma e que dialoga com a era das redes sociais, em que a protagonista procura conquistar e reter a atenção daqueles ao redor nem que para isto precise envenenar e adoecer o seu corpo. A transformação que este atravessa é o reflexo da deterioração psicológica de uma personagem narcisista e carente do olhar do outro, nem que este seja de repulsa, mascarado de empatia.
Comenta abaixo body horrors que você também gosta.
Um filme que adicionaria a essa lista é Um Lobisomem Americano em Londres (1981), que, obviamente, não tem pretensões tão reflexivas quanto às descritas na análise dessas outras obras, mas, de certa forma, há uma notável correlação, ao menos com A Substância e A Mosca, na questão da deterioração física. A obra de John Landis também é sobre mudanças indesejadas, e do quão dolorosas estas podem ser, vide a icônica cena da transformação do protagonista em fera durante a noite de lua cheia - e ainda tem as vítimas do monstro, que, a exemplo de seu algoz, também passam por uma considerável alteração visual, tornando-se zumbis conscientes de sua deplorável condição de seres decrépitos e repulsivos, que não desejam em hipótese alguma seu destino já traçado, a morte.