Não é difícil afirmar que Divertida Mente seja a melhor produção produzida pela Pixar na década passada, pela criatividade com que discutiu emoções essenciais de um jeito acessível para crianças e adultos. Enquanto estes poderiam refletir sobre a mistura de fatos com opiniões ou sentir a beleza poética de ser a Tristeza a emoção que salva Riley da apatia, as crianças estavam estimuladas pelo mundo de cores, texturas e invenções que é a cabeça de Riley e pelo ritmo da aventura dirigida por Pete Docter, hoje diretor da Pixar, e Ronnie Del Carmen. De lá para cá, a Pixar alternou entre obras originais (O Bom Dinossauro, Viva - A Vida é uma Festa, Dois Irmãos, Luca, Soul, Red - Crescer é uma Fera e Elementos) e obras derivadas (Procurando Dory, Carros 3, Incríveis 2, Toy Story 4 e Lightyear), algumas ótimas, tantas boas e raras decepcionantes, embora sem jamais repetir a emoção que Divertida Mente proporcionou do resgate genuíno do que era o estúdio antes da venda à Disney.
Divertida Mente 2 representa mais um passo de acomodação do estúdio, em especial depois das declarações do CEO da Disney, Bob Iger, de que a Pixar equilibraria suas obras originais com obras derivadas. É um filme cujo próprio conceito já afronta o cânone estabelecido no original, quando as mentes dos pais de Riley, de cães e gatos eram povoadas apenas pelas 5 emoções base (Alegria, Tristeza, Nojo, Medo e Raiva). Assim, o aparecimento de Ansiedade, Inveja, Vergonha e Tédio como a consequência da puberdade de Riley é um início com o pé esquerdo com que o roteiro pobremente lida nos créditos finais. Superado esse ponto e dando o benefício da dúvida ao roteiro de Meg LeFauve e Dave Holstein, a aventura inicia quando Riley e suas amigas viajam para passar um final de semana em um acampamento peneira de hóquei no gelo, com a esperança de estreitar os laços e integrar a equipe veterana. Riley chora a notícia de que as amigas estudarão em outro colégio no semestre próximo e experimenta, talvez pela primeira vez?, a ansiedade, na mesma época em que a sala de controle é alterada e as emoções que mencionei aparecem.
A Ansiedade é o que poderíamos esperar dela e, repetindo o mesmo mantra da Alegria no anterior, deseja apenas o melhor de Riley. Ela, junto às demais emoções, dá um golpe e extradita as emoções originais ao esquecimento e, com isto, a convicção que Riley havia desenvolvido sobre si. Se no anterior eram Alegria e Tristeza que atravessavam a jornada pela mente de Riley até retornar à sala de controle no momento de impedir um caos, agora é o quinteto que deve fazê-lo. Desse modo, Divertida Mente 2 é o pior que pode haver em matéria de sequência, e não digo em termos de qualidade, mas de Inveja! Embora bem intencionada e com boas ideias a tiracolo, os melhores momentos da continuação são apenas reimaginações dos melhores momentos do original (se não as cito, é para evitar spoilers, apesar de desconfiar que você saberá identificar do que trato, cof cof lembrem-se do que Alegria aprendeu no vale do esquecimento ou a cena final do original).
Enquanto isso, diferentemente do anterior, a aventura é irregular, entre bons e maus momentos em termos de concepção, desenvolvimento e aproveitamento no roteiro. O Cofre dos Segredos é criativo, mas mal explorado; o Vale do Sarcasmo é somente mais um típico obstáculo introduzido no caminho dos personagens que os obriga a escolher outra direção. Se a política do medo implantada por Ansiedade é eficaz em alimentar a paranoia no amanhã - com uma identidade visual que me remeteu a 1984 e ainda à Rainha de Copas de Alice no País das Maravilhas -, o restante da aventura é divertidinha - um adjetivo que não caí bem com uma obra com esse pedigree.
O achado da continuação está no tratamento dado à Ansiedade, que na versão dublada tem a voz de Tatá Werneck. Visualmente, é uma emoção de Schroedinger. Não é tarefa fácil discernir entre o sorriso de satisfação ou desespero - são ambos simultaneamente -, nem distinguir se os excessos são detalhes curiosos ou antecipações de um desastre. Ansiedade é uma antagonista à altura de uma Alegria, porque parecem, às vezes, faces da mesma moeda, com o mesmo mantra e objetivo (fabricar uma convicção que ajude Riley a ser uma pessoa melhor). A desmaterialização da Ansiedade é uma das melhores ideias da narrativa, pois reproduz a incapacidade da emoção em experienciar o agora. Por mais que admire a maneira com que a narrativa lida com a ansiedade - agora não falo da personagem, mas do sentimento que representa toda uma geração -, desta vez o desenvolvimento é feito por diálogos expositivos que traduzem o que o anterior habilmente expressou em imagens. Quando víamos Alegria dar as memórias para que Tristeza as tocasse ou a deixasse livre para assumir o centro de comando, poderíamos compreender claramente as implicações daquilo. Palavras são dispensáveis quando as emoções são visíveis - perceba perceber como Riley joga diferentemente, com gosto e satisfação, e a iluminação da animação munda, quando é Alegria que está no controle.
Por mais que a mensagem entregue pelo filme (quem disse que filmes são carteiros?) seja bem-intencionada e bem-vinda para crianças e adultos que esqueceram que é melhor viver o agora, qualquer que o agora seja, do que viver um amanhã que talvez sequer aconteça, Divertida Mente 2 é uma sequência idealizada por Inveja e encenada por Ansiedade. Uma obra preocupada não com o agora, mas com o amanhã, o futuro da Pixar, e que prefere repetir o que já funcionou, em maior escala, do que criar e até errar originalmente. Se as nossas convicções são formadas por boas e más memórias, então Divertida Mente 2 não pratica o que prega. É um bom filme, e só. O original era uma obra-prima, porém.