Existem duas fantasias prevalentes no cinema de romance. A mulher como figura redentora de personagens masculinos cafajestes, maus-caracteres e bad boys, vide exemplo o clássico 10 Coisas que Odeio em Você, Crepúsculo e 50 Tons de Cinza. Ou a mulher vértice de um triângulo amoroso entre personagens masculinos opostos e complementares. Ambas fantasias operam na adaptação É Assim que Acaba, e ainda que a sua narrativa as negocie dentro de uma realidade romântica só na superfície, esta adaptação é um desserviço quando trata do tema central.
No roteiro adaptado por Christy Hall, Lily Bloom (Blake Lively, que também produz) retorna à casa ao enterro do pai. No púlpito, durante o velório, Lily encara a folha de papel em branco porque não tem palavras gentis para dizer àquele homem, por tanto ter maltratado a sua mãe, Jenny (Amy Morton). Quando retorna a Boston, onde deseja montar uma floricultura, o sonho da adolescência, Lily conhece o sedutor Ryle (Justin Baldoni, que também dirige) e não demora muito para que a “amizade” transforme-se em relacionamento. A situação é complicada pelo fato de que a irmã de Ryle, Alyssa (Jenny Slate), é funcionária da floricultura de Lily, e isto facilita o encontro de ambos. Enquanto isto, Lily recorda do romance de adolescência com Atlas (Brandon Sklenar, a versão cover de Ryan Gosling em Diário de uma Paixão), manifestado na narrativa por meio de flashbacks em que Lily resgata momentos chave do passado.
A maioria dos problemas de É Assim que Acaba estão no roteiro desastroso e ofensivo até, talvez um dos piores do ano, mesmo que faça um esforço para discutir a violência doméstica a partir de um ângulo que não torne monstruoso o agressor. Não há dúvida de que Ryle é ‘estranho’ desde o momento em que é introduzido na narrativa, chutando uma cadeira ou adotando uma postura impositiva e imperativa à lá Christian Grey, de quem parece expelir feromônios irresistíveis e que declama falas tiradas do manual do cafajeste, tipo “Amor não é para mim”. Bem definido pela irmã que fala que Ryle “Troca de mulher como quem troca de roupa”, a maneira com que o roteiro constrói e desenvolve o personagem arruína qualquer chance que poderíamos ter em percebê-lo por quem é: um sujeito suscetível a episódios violentos decorrentes de ciúmes obsessivos, a ponto de soltar um sonoro clichê “Qualquer um menos ele, prometa-me!”.
A bem da verdade, o roteiro democratiza a percepção da violência doméstica quando a aproxima da realidade. O risco não está à margem da experiência da mulher, mas pode estar ao lado dele, na figura de um neurocirurgião atraente e cujo defeito parece ser só o narcisismo com que pensa que é a última bolacha do pacote. Mas de que adianta tais esforços se o roteiro acredita que o espectador é tolo? Toda a construção da sequência em que um café da manhã romântico escala em um ‘incidente’, as consequências físicas e como isto é captado por Atlas, que Lily recém encontrou em um acidente do destino, desafiam até mesmo a boa vontade de quem se dispõe a acreditar no acaso. E piora! O instante em que Ryle descobre que Lily pode estar correspondendo-se com Atlas é um embaraço em termos de antecipação e realização. Se a intenção é expor a tensão no lar e o medo recorrente que mulheres sentem dentro de lares instáveis, qual a dificuldade de, ao menos, propor um meio que não subestime o espectador?
Eu já poderia ter percebido quando Alyssa, que tem uma situação financeira estável e odeia flores, frise-se, aparece de supetão na loja recém adquirida por Lily, oferecendo-se praticamente para trabalhar porque está entediada. Reflita: se a intenção do roteiro é aproximar as duas personagens, não haveria uma maneira melhor de fazê-lo que não um encontro que poderia ter sido escrito por uma aluno pré-escolar? Até engoli o meu sorriso quando Lily fala que “As raízes são as partes mais importantes das plantas” e Atlas, um aluno do ensino médio, escuta isso como se ouvisse um mistério do universo. Não é apenas a má qualidade do diálogo, é que Lily acredita que estava revelando algo fora do normal e que Atlas receba isso como tal. No restante do tempo, a floricultura, que é a menina dos olhos de Lily, simplesmente desaparece na narrativa até retornar como o empreendimento de destaque em Boston… junto do restaurante de Atlas para fabricar mais um conflito artificial e uma crise de ciúmes em Ryle.
Por falar em tempo, apesar de a narrativa desenvolver-se por, pelo menos, 18 meses (e você entenderá o motivo), parece que passam apenas dias e semanas entre os eventos. E ainda que os 20 minutos finais parecessem ser um respiro de um alívio, devolvendo a violência doméstica ao centro da narrativa, e elegendo Lily, a mãe e Alyssa como as pivôs de momentos bonitos - mais pela intenção do que pelo roteiro - é inacreditável que o filme ache que seja de bom tom encerrar recapitulando uma das fantasias que citei no início do texto, como se o filme tivesse sido uma história de romance. Pior, o eleito não parece muito diferente de Ryle. E se Lily não nota em retrospecto que uma pessoa por a mão na porta (do banheiro) para que não saía não é ‘estranho’, no mesmo sentido que chamei Ryle no início do texto, então É Assim que Acaba não serviu para nada.
É Assim que Acaba entrou em cartaz nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 8 de agosto.
Crítica em vídeo:
Fiquei um tanto decepcionada, pois li o livro e muita coisa deixou de ser explicada. Até a forma maluca como a irmã foi trabalhar na floricultura.
Por mais que as pessoas achem que o tema central seja os romances, o tema principal foi totalmente superficial. O pai da Lily era extremamente violento, a mãe sofria agressos físicas e e$trupros. O Ryle era pavio curto e as agressões que o filme mostrou davam a entender que tinha sido sem querer. É assim que acaba é para mostrar que a escolha final de Lily em não continuar com Ryle é para encerrar um ciclo que sua mãe passou, ela passou e ela não qria que sua filha acabasse pertencendo ao mesmo ciclo.
Ainda não vi o filme. Vou ver, mas li o livro.
Não sei se você leu, mas no livro a irmã de Ryle começa a trabalhar na floricultora da mesma forma que vc descreveu na sua crítica! Decisão maluca mesmo. Quando li achei a mesma coisa, mas me parece então que o filme foi bem fiel ao livro.