Após o entediante Nostalgia (2022), selecionado para o Festival de Cannes, o cineasta italiano Mario Martone retorna com a biografia da atriz e escritora siciliana Goliarda Sapienza, Fuori, cujo título é justificado durante uma rebelião ocorrida no presídio ao qual a personagem foi enviada pelo crime de furto de joias. E eu sinto não ter palavras para expressar a relação indiferente que tive com mais este trabalho do diretor, que à primeira vista, tampouco me parece a pessoa adequada para explorar o íntimo de uma mulher que atravessa um período sombrio de sua vida, e se reencontra a partir de suas conexões com as colegas de prisão, em particular Roberta (Matilda de Angelis).
Como biografia, Fuori acerta em recortar um momento específico da vida de Goliarda, apenas de este recorte não proporcionar conhecimento senão superficial da vida ou da carreira de Goliarda, que à época tinha cerca de 55, 56 anos. Ela procura emprego, mas é rejeitada por não possuir referências, nem por ter a idade apropriada. O preconceito etário não é uma prerrogativa apenas dos homens, mas mesmo das mulheres, e mesmo que o roteiro insista nesse ponto, não desenvolve salvo superficialmente qual a relação da protagonista com o amadurecimento. Para ser honesto com os meus sentimentos e com vocês, ao término dos 115 minutos, eu não acredito ter conhecido nada sobre esta artista, nem sido estimulado a fazê-lo, um sentimento relativamente comum em filmes análogos sobre pessoas que ainda não tínhamos tido a oportunidade de conhecer.
Goliarda, a intelectual distraída, ou a ávida consumidora de café expresso, termina por ser uma personagem críptica e misteriosa, não por disfarçar o que sente nem quais são as suas intenções, apenas por ser narrativamente vazia, apesar de vivida pela talentosa Valeria Golino. Se o trabalho artístico realizado após o encarceramento proveio de um contato intimista e não crítico da vida na prisão e dos relacionamento com as detentas — com os clichês característicos deste tipo de ambiente, tais como a mulher brigona e que é codificada como uma personagem masculinizada, ou a ‘madrinha’, uma mulher idosa e gorda, que toma as rédeas do presídio —, então Fuori não proporciona nenhum momento genuíno, senão aquele que dá azo ao título, para compreender a inspiração.
Em certo instante, Goliarda e Roberta tomam banho nuas, e não sabemos se a direção enfatiza o corpo das personagens, ou o sorriso cúmplice, porque estão se apaixonando, apesar de o roteiro não avançar muito além no tema, ou apenas porque é oportunidade de exercer o olhar masculino sobre o corpo de mulher vulneráveis dentro do cárcere. E não é que Martone não seja um artesão competente, planejando transições elegantes e evocativas, como aquela em que as joias furtadas diluem-se dentro do copo de uísque - após Goliarda reencontrar-se com Roberta -, é somente que a direção não compreende a personagem, ou não parece fazê-lo, portanto é incapaz de apresentá-la a nós, exceto sob a abordagem pretensamente feminista.
Mesmo a discussão abertamente política é fracassada, porque não é desenvolvida além da discursividade de Roberta. Não dá, por exemplo, para considerar a revolta na prisão como a revolta contra as instituições italianas dos anos 80, porque faltam subsídios ou narrativos, ou imagéticos para esta conclusão. Fuori não inspira sequer o desprezo mas só a indiferença. Eu iniciei sem saber quem foi Goliarda, reconheço minha ignorância, e terminei da mesma maneira, ou pior, pois desincentivado a fazê-lo.
Fuori está na Seleção Oficial do Festival de Cannes de 2025.
English review
After the boring Nostalgia (2022), selected for the Cannes Film Festival, Italian filmmaker Mario Martone returns with the biography of Sicilian actress and writer Goliarda Sapienza, Fuori, whose title is justified during a rebellion that occurred in the prison where the character was sent for the crime of stealing jewelry. And I feel that I have no words to express the indifferent relationship I had with this latest work by the director, who at first glance does not seem to me the right person to explore the innermost being of a woman who is going through a dark period in her life, and who finds herself again through her connections with her fellow inmates, especially Roberta (Matilda de Angelis).
As a biography, Fuori succeeds in focusing on a specific moment in Goliarda's life, but this focus does not provide more than superficial knowledge of Goliarda's life or career, who at the time was around 55, 56 years old. She looks for a job, but is rejected because she has no references or is not the appropriate age. Ageism is not just a prerogative of men, but also of women, and although the script insists on this point, it does not develop, except superficially, the protagonist's relationship with maturation. To be honest with myself and with you, at the end of the 115 minutes, I do not believe I have learned anything about this artist, nor have I been encouraged to do so, a relatively common feeling in similar films about people we have not yet had the opportunity to meet.
Goliarda, the distracted intellectual, or the avid espresso consumer, ends up being a cryptic and mysterious character, not because she hides her feelings or her intentions, but simply because she is narratively empty, despite being played by the talented Valeria Golino. If the artistic work produced after the incarceration came from an intimate and non-critical contact with life in prison and relationships with the inmates — with the clichés characteristic of this type of environment, such as the quarrelsome woman who is coded as a masculine character, or the ‘godmother’, an elderly and fat woman who takes the reins of the prison — then Fuori does not provide any genuine moment, other than the one that gives rise to the title, to understand the inspiration.
At a certain point, Goliarda and Roberta bathe naked, and we do not know if the director emphasizes the characters’ bodies, or their complicit smiles, because they are falling in love, despite the script not going much further into the subject, or simply because it is an opportunity to exert the male gaze on the bodies of vulnerable women inside the prison. And it's not that Martone isn't a skilled craftsman, planning elegant and evocative transitions, like the one in which the stolen jewels dissolve in the glass of whiskey - after Goliarda meets Roberta again -, it's just that the director doesn't understand the character, or doesn't seem to do so, and is therefore incapable of presenting her to us, except through a supposedly feminist approach.
Even the openly political discussion fails, because it is not developed beyond Roberta's discourse. It is not possible, for example, to consider the prison revolt as the revolt against Italian institutions in the 1980s, because there is no narrative or imagery to support this conclusion. Fuori doesn't even inspire contempt, but only indifference. I started without knowing who Goliarda was, I admit my ignorance, and I ended the same way, or worse, because I was discouraged from doing so.