“A história de Maria é a história das mulheres que constroem esse país”. Quando a diretora Ludmila Curi conheceu Maria Prestes, em 2012, perguntou-se como não havia ouvido falar sobre a militante comunista, viúva de Luís Carlos Prestes e que, apesar da idade avançada, fazia o trabalho de base, visitando assentamentos do Movimento Sem Terra, participando de palestras e conversando com o povo, aquela ideia de um coletivo, que Ludmila decide por bem individualizar e nomear dentro da narrativa. Contudo, o que poderia ser mais uma, dentre tantas, biografias sobre uma figura histórica, esquecida por esta mesma história apesar de sua participação decisiva, acaba se transformando em uma obra cuja força está em encontrar, em indivíduos chave da história recente do país, a inspiração para o nosso povo.
O documentário tem início a partir de mulheres históricas, por exemplo Maria Bonita, e situa-se no Brasil após a ditadura varguista, quando Luís Carlos Prestes é anistiado o tempo bastante para retornar à política nacional temporariamente e conhecer Maria; é temporário, porque não demoraria para a cassação do Partido Comunista Brasileiro, a consequência da Guerra Fria, e Luís fugisse à clandestinidade. Maria permanece. Cria nove filhos. Viaja do interior brasileiro até à Rússia, onde reside por um período da vida. É vigiada, mesmo assim não esmorece. A trajetória é pontuada na narrativa, que não pretende ser exauriente. É um panorama geral que restitui uma história por muitos reduzida à vida doméstica - quando havia muito mais a conhecer sobre ele.
Entretanto, Marias não é uma biografia convencional, porque um desvio de percurso - mencionado próximo ao final da narrativa - modificou o conceito original e obrigou a diretora a reimaginar o documentário ao redor de uma ausência presente. Isso torna o documentário ainda mais rico, em termos criativos, porque passa a ser estruturado ao redor de várias Marias: Olga Benário, Dilma Roussef, Marielle Franco, cada qual, uma Maria à sua própria forma. Aí Maria deixa de ser indivíduo para se transformar numa ideia, uma espécie de continuum temporal, um protótipo de uma mulher revolucionária premiada à história brasileira a cada geração.
Contornando os obstáculos colocados ao seu redor e abraçando uma aparente falta de foco, como um trunfo para contar a história brasileira mediada por essas mulheres, a narrativa é um esforço também de metalinguagem: seja ao revelar a direção por trás do documentário, ou pelo papel da autora como autêntica porta-voz da biografada ou mesmo ao enfatizar como uma decisão específica é abandonada no meio do caminho e, em vez de ser deixada na sala de edição, é apresentada pedagogicamente ao público. Até porque a artista também pode ‘errar’, e transformar esse ‘erro’ em comunicação - refiro-me ao momento em que utiliza a neta de Maria Prestes em uma reconstituição doméstica - é uma maneira de revelar quão entranhado é o pensamento patriarcal e hegemônico que posicionou Maria à sombra de Luís Prestes, em vez de ao lado dele.
Como deveria ser.
Marias estreia quinta-feira nos cinemas brasileiros e, abaixo, trago-lhe a minha entrevista com a diretora Ludmila Curi.