A imagem aérea capturada por um drone aproxima o espectador de um condomínio de classe média alta, onde habitam personagens característicos da sociedade brasileira de aparências. A câmera aproxima-se para investigar o que ocorreu na noite anterior, que provocou a morte de Virgínia na noite que comemorou o seu aniversário de 17 anos. A investigação é apenas formal - o pai de Virgínia, um juiz desobediente da lei, garantirá a discrição -, e cabe ao espectador a tarefa de reunir os pedaços do quebra-cabeças, no que é menos um mistério, e mais uma tragédia anunciada. Não pela morte de Virgínia, não exclusivamente, mas pela constatação de como os jovens do amanhã estão doentes e de como não parece haver escapatória do predicado em que estão.
Quando a narrativa tem início, Virgínia (Bella Piero) percebe feridas no corpo que não são enxergadas pela mãe (Maria Luísa Mendonça). Uma contradição, caso se considere a característica de superprotetora, mas que não é tão contraditório assim, se pensar no fato de que a saúde mental e emocional é bastante negligenciada justamente por quem deveria mais zelar por ela: os pais. Virgínia quer morar com Luana em Florianópolis; a mãe não quer nem pensar na emancipação da adolescente de 17 anos, e reclama de seu vestido - que, no dia seguinte, transforma-se em instrumento de luto e reconexão com a filha. É tudo contraditório e duplo dentro de Meu Casulo de Drywall: a mãe quer estar na festa e Virgínia a impede de fazê-lo (é uma adolescente igual a qualquer outra); mas quando a filha a telefona, a mãe não atende. Quando termina o dever de proteção dos filhos pelos pais, para começar o direito dos filhos à autonomia e ao aprendizado com os erros e frustrações?
O filme escrito e dirigido por Caroline Fioratti é um antes e depois. A festa e o luto. O mistério, cuja solução levou-me a recorder do clássico de Agatha Christie O Assassinato do Expresso Oriente e a responsabilidade de cada personagem no destino de Virgínia, e a consternação. Como os lados opostos de uma mesma moeda, a festa é um eros, irreal sob intensa luz néon e às vezes incompreensível por causa da trilha sonora barulhenta; já o luto é hades, é uma ressaca descolorida e desbotada de quem poderia ter recorrido à sua humanidade, mas optou pelo individualismo. A propósito, a decupagem diminui a profundidade de campo e aprisiona o espectador à mesma prisão que é estar na pele de cada um dos personagens (agentes e vítimas). Não há uma sensação de mistério, de whodunit (ou quem cometeu o crime), mas a certeza de que todos são responsáveis por ação ou omissão, e é este aspecto multifatorial que se sobressai.
É um tanto problemático que a morte de uma adolescente seja instrumentalizada, até mesmo transformada num mecanismo de aprendizado emocional dos personagens. E enquanto os personagens têm a oportunidade de amadurecer através da tragédia, ou a partir dela, Virgínia permanece morta como um ícone de maior ou menor importância dependendo de quem estejamos falando na narrativa. Embora seja um efeito colateral amargo da minha experiência, Meu Casulo de Drywall é uma obra diagnóstica, até mais do que propositiva, de um conjunto múltiplo de mazelas com uma raiz comum: os pais que melhor representam a incapacidade da geração anterior de enxergar, senão de um modo alienígena, a geração atual.
Luana (Mari Oliveira, de Medusa) é sexualizada e discriminada pela cor da pele - não é à toa que encontra o acolhimento de Silmara, a secretaria doméstica -, mutila-se e usa as drogas da mãe depressiva para entorpecer-se de uma realidade da qual deseja fugir. Já Nicolas (Michel Joelsas, de Que Horas Ela Volta?) tem a homossexualidade reprimida pelo pai violento, e tenta ressignificar-se através desta agressividade e da indiferença. E Gabriel (Daniel Botelho, de Mãe Só Há Uma) quer retirar a máscara hipócrita de uma sociedade que o marginalizou por ser estranho ao que consideram normal. O seu ato de vandalizar as câmeras é uma alternativa para combater o controle orwelliano daqueles no poder. Cada personagem é vítima de violências mascaradas sob as peças de roupa e ocultadas pelas paredes.
Não só as feridas no corpo de Virgínia, cada vez maiores e grotescas, são ignoradas - senão por nós que sentimos a dor dela mas não a podemos ajudar -, como também os apelos revelados em uma tentativa desesperada de agradar o outro, como o resultado da violência sistêmica a que estão submetidos. Violências cometidas e negligenciadas por quem deveria observar a decomposição (física e emocional) dos filhos, que apenas são lembrados como totens representativos dos pais, não de indivíduos que choram e sentem.
Crítica em vídeo:
Entrevista com a diretora e o elenco:
Meu Casulo de Drywall estreia quinta-feira, 12, nos cinemas brasileiros.