O Exorcismo não tem nenhuma relação com O Exorcista do Papa, o terror divertido e inconsequente em que Russell Crowe interpretou o papa exorcista Gabriele Amorth, e que já garantiu a sua continuação. Este terror de estreia de Joshua John Miller trata de um ator que caiu em desgraça, Anthony (Crow), fugindo do luto pela morte da esposa dentro da garrafa de álcool. Isto provocou cicatrizes na relação com a filha Lee (Ryan Simpkins), que não o chama por ‘pai’, mas pelo nome, um clichê comum no retrato das relações estremecidas entre pais e filhos. Anthony tem a chance de se reerguer depois de ser escalado para o papel protagonista de um filme de horror amaldiçoado, no qual interpretará um padre exorcista. Entretanto, além de reviver um trauma da infância, o protagonista começa a ser consumido por forças sobrenaturais.
O problema de O Exorcismo já está escancarado na fala de Peter (Adam Goldberg), o diretor do filme dentro do filme: “Este é um drama psicológico envolto na pele de um filme de terror”. O problema não está na mera instrumentalização do horror como um meio para a superação do trauma, mas na maneira rígida e calculada como a narrativa faz isso. Cada acontecimento, cada personagem, cada diálogo e cada flashback, parece introduzidos planejada e meticulosamente dentro da narrativa, de maneira que não há espaço nenhum à inspiração do improviso e inesperado, e faz isto enquanto abdica do prazer incômodo de assistir ao terror.
A relação imediata do público com o sobrenatural é deixada de escanteio, para que a culpa e o trauma de Anthony sangrem previsivelmente no personagem que interpreta, enquanto a exigência do papel e a cobrança do diretor colocam de joelhos a sanidade. O ‘demônio’ é metafórico na maior parte do tempo: são os abusos sofridos na infância, por padres católicos, quando era um coroinha, é a morte da esposa, e é a dependência química. O demônio propriamente dito, Moloque, só está presente para preencher as convenções do gênero estabelecidas no clássico O Exorcista, que o filme homenageia (embora não queira dizer muita coisa). A narrativa leva-se a sério demasiadamente, e tenta envernizar um personagem relativamente rotineiro com tantas camadas que mal existe espaço para Russell Crowe respirar.
E diante de tamanha seriedade, é impossível diferenciar se o roteiro está debochando do conceito popularmente divulgado, mas impreciso, do Método de atuação, ou se, de fato, crê que seu conceito envolve o ator confundir-se com o personagem interpretado. Uma evidência outra do descompasso entre a abordagem da direção e a narrativa está na introdução de elementos metalinguísticos: a revelação da casa cenográfica, o ‘corte’ vertical que permite a movimentação da câmera, o quarto ‘frio’ onde é filmada a cena de exorcismo ou o animatronic defeituoso convivem com o retrato maniqueísta de um diretor bully, que abusa emocionalmente de Anthony recordando-lhe de seus traumas para obter a atuação que deseja. O histórico dos acidentes de O Exorcista, A Profecia ou Poltergeist são menções ao vento que tentam justificar os “acidentes” da narrativa, como se O Exorcismo fizesse parte desse grupo de clássicos, da mesma forma que um time amador acredita poder jogar de igual com um time profissional.
Até admiro a associação estabelecida entre o demônio que profana as vestes sagradas (ou “sagradas”) e os sacerdotes católicos, que utilizaram a batina para cometer crimes contra crianças dentro das igrejas, mas é um tantinho covarde que a narrativa precise de um padre ‘bom’ (David Hyde Pierce) para redimir os pecados da igreja. Se Anthony vai ao confessionário para expiar os seus pecados depois de 40 anos afastado, a quem a igreja como instituição dirige a sua confissão, ao cinema?
Em termos de horror, O Exorcismo é apenas burocrático. A fotografia desinteressante de Simon Duggan soterra a narrativa nas sombras e na falta de cores, enquanto Joshua John Miller apela apenas a apagões elétricos e as aparições-surpresa de Russell Crowe a fim de criar uma tensão inexistente. É até curioso o crédito de Kevin Williamson, o roteirista de Pânico, na produção de mais uma obra metalinguística, mas diferente do clássico de Wes Craven, não há nada que O Exorcismo acrescente ao gênero, senão o arco dramático previsível de Anthony, que Russell tenta até redimir, sem sucesso.
O Exorcismo estreou nos cinemas. Qual seu comentário sobre o filme?
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