A A24 é alvo frequente de críticas por produzir cinema de gênero que dialoga menos pelo gênero propriamente dito do que pela alegoria ou metáfora. Para estes filmes, o gênero (terror na maioria da vezes, mas também ficção científica) é o meio, não o fim. É um instrumento de discurso, não um discurso efetivado pelos elementos estilísticos que lhe são característicos. A premissa normalmente instigante é diluída e delimitada pelo tema, em vez de ser expandida e desenvolvida em torno de suas possibilidades. Se é uma crítica justa ou não, para mim depende da obra, mas O Homem dos Sonhos é bem ilustrativo do que tento demonstrar.
A história é original: o professor de universidade Paul Matthews (Nicolas Cage) é um pai de família médio, calvo, inseguro, introvertido e invisível. É aquele tipo de sujeito em cujo velório estará somente a família e em cujo obituário não haverá nenhum feito digno de nota. Paul é igual a mim e a você que me lê. Um homem cujo tempo na terra não impactará senão aqueles próximos, e talvez nem estes, a considerar a relação meio distante que tem com a esposa Janet (Julianne Nicholson) e as filhas Sophie (Lily Bird) e Hannah (Jessica Clement). Ou não. Por razões que o roteiro de Kristoffer Borgli, que também dirige, não pretende explicar, Paul surge no imaginário coletivo da sociedade nos sonhos de cada pessoa. Uma espécie de “Freddy Krueger” a princípio indiferente e não intervencionista.
Essa premissa à lá Charlie Kaufman é o meio pelo qual Kristoffer investiga a fama, em tempo de redes sociais, das pessoas médias, catapultadas meteoricamente ao status de subcelebridade com a mesma velocidade com que serão esquecidos debaixo do tapete depois do aparecimento de outra subcelebridade. A premissa (uma pessoa que aparece no sonho dos outros) é delimitada pela metáfora (uma consequência das redes sociais). É a escolha do diretor e roteirista de traçar tal caminho, e não cabe a mim, intérprete, avaliar o resultado final pelo que a premissa poderia ter sido, mas pela eficácia do que é. Por essa razão que não compro essa briga da A24, porque a análise não deve ser feita em mutirão e sim caso a caso. Se um artista quer investigar determinado tema através de um ou mais gêneros específicos, quem sou para dizer o que deve ou não fazer?
Parece-me óbvio que a decisão de apoiar-se em uma alegoria não seria um problema de O Homem dos Sonhos, ao menos para mim. Estou interessado em como Kristoffer a expressa e sublima, em nível de roteiro e direção, pelo humor surreal e até elementos de terror, do que no purismo contido nas críticas e sugestivo de um desejo infantil do espectador de que o autor, ao apostar em um gênero, deve rejeitar o tema em favor do estilo. Não é surpresa que O Homem dos Sonhos tenha reforçado o coro dos críticos da A24 pelas razões erradas, já que Kristoffer abraça a alegoria do minuto zero até o fim, subjugando o gênero à trajetória de ascensão e queda (leia-se: cancelamento), com as consequências que puder trazer na bandeja.
Eu compreendo, embora não concorde, que o desenvolvimento da premissa possa ser frustrante, ao partir de um elemento surrealista o mais inusitado possível, em direção a comentários realistas e sociais que já foram feito em obras que trataram de maneira direta do tema. Por outro lado, já estou mais inclinado a concordar com quem defenda que a narrativa seja repetitiva (ex. ao encenar frequentemente a busca por afirmação e aceitação de Paul), previsível (não de um jeito contornável) e decepcionante em termos da conclusão. É o caso clássico da ideia ser superior à execução, e dá para notar isto na enésima vez em que o roteiro de Kristoffer introduz a analogia da zebra e de suas listras, como meio de compreendermos o predicado em que se encontra Paul.
Kristoffer tem mais sucesso na direção, com imagens que se expressam com poder e desenvoltura ausentes a Paul. Não me refiro nem às encenações dos sonhos, que são tipo o bilhete da loteria para quem deseja assistir a Nicolas Cage sombrio, mas sim a momentos cotidianos no qual percebemos a inexpressividade que o ator manifesta de um jeito ímpar. Parece um tipo de papel feito para Cage: tímido, reprimido, apesar de haver um narcisismo latente dentro dele que pode florescer nas circunstâncias certas. A ideia é que, todos nós, por mais que busquemos o anonimato, não saberíamos negar a vida de celebridade instantânea: um elemento retratado precocemente no desejo de Paul de receber os créditos por uma contribuição remota a uma colega de faculdade.
O Homem dos Sonhos perde fôlego do clímax em diante, quando abdica do humor e do terror em favor de outro gênero com resultados insatisfatórios porque mal explorados. De todo modo, é um esforço bem vindo em trabalhar um tema contemporâneo dentro da chave de gênero, com uma atuação bastante competente de Nicolas Cage.
É um filme realmente curioso, é lembra muito os filmes do Kaufman e do Jonze. eu tô quase concluindo que gostei, só achei o fim meio deslocado do resto do filme, sei lá, muito melodramático. E a questão de se enquadrar num gênero, ou navegar por vários é talvez a questão menos relevante numa obra. Dito isso, o filme não é um comédia kkkk ou pelo menos não funcionou assim pra mim. Foi um desconforto e tensão do início ao (quase) fim, tava esperando a carnificina a qualquer momento.