Quando (re)encontramos Lucas (Vinícius Teixeira), o recém formado arquiteto está refletindo a respeito do romance de verão com Felipe (Gabriel Fuentes), enquanto o seu namorado Martins (Leo Bahia) contratou uma daquelas serenatas de amor bem bregas e cafonas, embora represente o que é o amor para tantas pessoas. O amor de declarações de joelho, de aquarelas vibrantes, de músicas dançantes, de uma viagem para resgatar aquilo com que a memória seduz o coração. Todos já vivemos amores que nos desequilibram, e no caso de Lucas, tem-no desequilibrado há tanto tempo, como se o impedisse de caminhar adiante. Ir para Canoa Quebrada, uma cidade no interior do Ceará conhecida por suas praias, suas festas e seus encontros, é o passo que deve dar para trás, para retomar a sua caminhada.
Romântico naturalmente, embora mais intimista, O Melhor Amigo é a busca não pelo moreno alto, bonito e sensual, mas pela identidade, escondida atrás de uma máscara de beleza. Lucas acredita que Felipe, que trabalha com passeios turísticos na praia, é um guia que o levará de volta à sua identidade e à como se sentiu quando era mais jovem. A trajetória de fim de semana o mostrará que a resposta costuma estar mais acessível, basta olhar para dentro… o que vier é aprendizado, é bônus. Isso é encenado junto aos personagens coadjuvantes - a cartomante de Cláudia Ohana, cujas respostas estão nas cartas retiradas ao acaso, ou o casal José e Juan (Mateus Carrieri e Diego Montez), que oferece resposta no prazer hedonista. Deydianne Piaf, o alter ego do humorista Denis Lacerda, logo habituado a conviver com identidades em choque, é quem ensina Lucas a encontrar o seu caminho.
Não é que Lucas não saiba quem é afetiva e sexualmente. Bem resolvido, só não sabe o que vem depois do que planejou, o que pode enlouquecer um arquiteto, uma profissão que planeja espaços e experiências. Contudo, salvo quando pega o carro para a cidade, Lucas está no banco de passageiros, conduzido física e emocionalmente; não é aquele que conduz. Vinícius Teixeira ilustra uma insegurança de não estar confortavelmente onde desejaria estar; Lucas é relutante até mesmo diante do objeto de desejo. Gabriel Fuentes é o oposto, ao menos aparenta ser, porque o filme explora a insegurança que há detrás de seu jeito despachado e dominante. Ele é o amigo ou o romance que todos gostaria de ter, ele sabe onde está pisando, sabe improvisar quando a situação requer, mesmo que não seja bem quem Lucas pensa que ele é.
Escrito dessa maneira, até parece que O Melhor Amigo é um drama profundo, mas está em sintonia com Pacarrete, pensando melhor. Igual este premiado filme, o roteiro sabe mascarar no humor ou no absurdo a inadequação e a intimidade do personagem. Nada está carregado, e nem tem como, uma vez que Allan Deberton trabalha com as cores e à iluminação néon à disposição na exploração de um cinema tropical e quente, ou com a direção de arte, onde esconde achados para que exploremos a personalidade além do que nos é dito (por exemplo, a estátua cuja sombra na parede oprime e sufoca Lucas), e a musicalidade, incorporando cenas com canções não originais.
O musical propriamente dito é menos do que o todo, infelizmente. As sequências são bem teatralizadas, e mesmo que as composições informem onde estamos emocional e narrativamente, a dança (a coreografada dos atores e da câmera) é bastante estática e dá a impressão de que Lucas ou Felipe não tem ginga. O primeiro é até compreensível, mas Felipe? De todo modo, é bom tirar a poeira de um gênero raramente explorado no cinema brasileiro, de Ópera do Malandro (1985) ao mais recente Meu Sangue Ferve por Você (2023). As cenas musicais também não estendem as suas boas-vindas, assim que Deberton devolve-nos a permanecer e conhecer melhor Lucas. Até porque, no fundo, todos temos partes de Lucas em nós.
Entrevista com o diretor, roteirista e produtor Allan Deberton