Lançado no Festival de Gramado do ano passado, no qual ganhou o Prêmio de Melhor Filme, Oeste Outra Vez estreou nos cinemas brasileiros após carreira bem sucedida nos festivais nacionais. Engraçado que até cheguei a imaginar que só assistiria ao filme na estreia nos serviços de streaming ou no aluguel on-line, porque tudo parecia colaborar para que não o visse. O Cinema com Crítica teve convite para o 18º CineBH, apesar de eu não ter podido participar; na 48ª Mostra de São Paulo, não tive chance de encaixar o (disputado) filme na programação; e, apesar de ter sido convidado para a 28ª Mostra de Tiradentes, imaginem só, também não pude participar. Aí o filme ainda estreia em Fortaleza em um cinema bastante fora de rota de onde moro ou trabalho. Se não fosse a assessoria da O2 Filmes, que me deu acesso à cópia digital para assistir em casa, não estaria aqui agora escrevendo. Mas já falei demais de mim, melhor falar sobre o filme.
Oeste Outra Vez convida a gente a refletir sobre o gênero mais estadunidense que há, o faroeste, e o que revela quando adaptado à realidade do sertão goiano, onde acontece a ação. A temática original da ‘conquista do Oeste’ é mais do que a viagem empreendida por colonos em direção a terras cujas riquezas pode explorar e em que pode construir o lar e estabelecer a família. A ‘conquista do Oeste’, enxergada com o romantismo que convenientemente despreza ou minimiza o massacre do povo indígena, o proprietário legítimo daquelas terras, é o movimento de constituição da civilização estadunidense, em que os homens calçam as esporas e armam-se com rifles para assegurar o quinhão de terra que lhes fora prometido quando imigraram em direção ao Oeste. A mulher no faroeste é o símbolo da civilização; é quem permanece no recém criado lar e para qual o herói (ou anti-herói) retorna.
Portanto, é coerente que o diretor e roteirista Erico Rassi comece Oeste Outra Vez com a disputa travada entre dois homens, Totó (Ângelo Antônio, de Dois Filhos de Francisco) e Durval (Babu Santana, de Tim Maia), pelo amor de uma mesma mulher. Uma que nós só vislumbramos pela silhueta, enquanto caminha para fora do quadro, deixando atrás de si o feudo violento instaurado entre os personagens. Essa mulher interpretada por Tuanny Araújo, cujo rosto não conseguimos enxergar ou o fazemos apenas de relance, é abstraída, porque não é quem é o importante para a narrativa, mas o que representa: a promessa de civilização. Não é por amor que Totó e Durval reacendem uma barbárie de tempos passados, é por que perderam o lar que acreditavam que traria o sentido às suas vidas vazias.
Totó, Durval, mas não só eles, Antônio (Daniel Porpino) ou Ermitão (Antônio Pitanga) são personagens que também ressentem o abandono das mulheres. O roteiro bastante simples à primeira vista, é sofisticado em como explora a masculinidade dentro de um faroeste em que esses homens regressam ao passado, praticamente, portanto às regras violentas que havia antes. Só que esses mesmos homens, tão distantes de tal passado, já não possuem os recursos que John Wayne, Gary Cooper ou Clint Eastwood tinham. Jerominho (Rodger Rogério), contratado para proteger Totó, parece peça de museu na forma como despedido do emprego e relegado à própria sorte. Antônio, apesar de bem mais jovem, está com a mira enferrujada depois de as lágrimas que chorou por ter sido abandonado secaram sobre a sua espingarda. Retornar ao Oeste é o ato que retrata, da melhor forma possível, o quanto esses homens estão dispostos a abandonar o (mínimo) que construíram por um desejo paradoxal: o de reaver a civilização perdida (a mulher), mas a abandonando quando decidem regressar à barbárie.
A direção de fotografia de André Xará Carvalheira revela o sertão goiano, a partir dos planos abertos, em que os homens permanecem minúsculos subjugados à esterilidade e ao clima castigador. Já a direção de arte de Carol Tanajura leva tais qualidades, além da impessoalidade, para o interior dos ambientes ocupados pelos personagens. Sequer dá para denominá-los de lar, salvo o de Durval, talvez por ainda conservar a memória e o cheiro de Luiza. A imagem é o espelho vertido aos personagens: não há nada senão o ‘nada’, ou se há, é o ressentimento que é retratado apropriadamente na vegetação seca, nos interiores mal iluminados e despersonalizados ou mesmo no gosto do frio, que eu sou até capaz de sentir: um café amargo e resfriado, que os homens bebem apenas por não saberem fazer diferente.
Não saber agir diferentemente é a sina desses personagens violentos, mas tristes, que mesmo capazes de criar conexões uns com os outros, são incapazes de elaborar aquilo que sentem. Antônio reconhece sua melancolia ao acompanhante Domingos (Adanilo Reis), que até se dispõe a escutá-lo, mesmo exausto. Ermitão, já velho, não tem sequer forças para elaborar. É possível enxergar nele ou em Jerominho os homens em que os personagens poderão se transformar, se não corrigirem seu caminho e entenderem o que, de fato, o Oeste simboliza. Não é a promessa de civilização, mas a sua subversão pela violência e derramamento de sangue. Se é que há civilização no que Erico Rassi propõe, esta abandonou a narrativa logo no começo ou está escondida nas entranhas, escondidas sob vestes suadas, surradas e encardidas como se fossem a carcaça do que restou dos personagens.
Não ironicamente, não é quando proferem ameaças e erguem armas que os homens de Oeste Outra Vez reconquistam a virilidade e masculinidade que acreditam haver perdido, mas quando estão mais vulneráveis e encaram, no outro, a imagem refletida incapazes de enxergar diante do espelho.