Muitos pensamentos me vieram à cabeça enquanto assistia à continuação de Twister (1996), denominada Twisters, e convenhamos, melhor do que Twister 2. Um que retive por mais tempo é que não esperava que um filme sobre caçadores de furacões pudesse realizar um recorte e uma discussão sobre a sociedade norte-americana a partir de um estado do meio oeste do país, do mesmo modo agudo e envolvente com que retrata o poder devastador da natureza. É um blockbuster que finca seus pés no chão, enquanto observa a promessa escrita no céu.
Twisters é uma continuação espiritual do antecessor, que acena aos esforços da dupla de cientistas interpretada por Helen Hunt e pelo saudoso Bill Paxton, quando a equipe de Domadores de Tornados chefiada por Kate (Daisy Edgar-Jones) utiliza a Dorothy, o dispositivo que permitia monitorar os tornados, para registar a tentativa de “matar” a tempestade utilizando um componente cuja ciência permanece incompreensível para mim. Contudo, o violento furacão acarreta a morte da equipe de Kate, com exceção de Javi (Anthony Ramos). Traumatizada pela tragédia, Kate emprega os dons naturais que possui em um escritório de meteorologia até ser procurada por Javi, que a convence a retornar ao campo, com a promessa de que uma tecnologia permitirá compreender os padrões de formação destas maravilhas da natureza e impedir tragédias.
De volta à Oklahoma, Kate conhece o cientista e youtuber Tyler (Glen Powell, o astro do momento), que, como bom caubói, “laça” furacões para ter um público de mais de um milhão de inscritos na rede social - agora sei o que preciso fazer para ser notado por lá. O narcisismo de Tyler é só aparência e pose, pois o sujeito e a sua equipe têm mais consciência social do que os governantes e o setor imobiliário, na figura de um empreendedor que explora a tragédia para adquirir as propriedades dos que perderam tudo o que possuíam.
Este Twister na era do YouTube é dirigido por Lee Isaac Chung, de Minari: Em Busca da Felicidade, uma escolha inusitada para comandar um cinema de espetáculo em seu estado natural mas também uma escolha feliz. Chung olha com atenção para o que de fato importa: as pessoas, não os furacões. A sensibilidade pode ser percebida desde o prólogo, quando a câmera, em close-up no rosto sujo e ensanguentado de Kate, ergue-se para revelar a terra arrasada deixada pelo furacão no pano de fundo. As pessoas têm precedência ao espetáculo; este intimismo aproxima o espectador da tragédia, ao invés de mantê-lo à distância. Além do mais, realmente não imaginava que Chung seria uma boa opção nas sequências de ação e quebrei a cara (gosto de quando isto acontece). Em uma sequência específica, a câmera permanece bem rente ao piso de uma piscina vazia, uma decisão criativa que amplifica a tensão, o esforço de Tyler e o envolvimento emocional e físico do espectador.
Não apenas Chung, mas também Daisy Edgar-Jones destaca-se. A atriz não é limitada pelos rótulos simplórios do roteiro (“Dados não veem o que Kate vê”, “Não sou boa em me comunicar”) e transforma Kate em uma personagem multifacetada apesar da facilidade que é defini-la pela tragédia que viveu. Sim, Kate culpa-se, tem pesadelos, mas a forma com que a atriz encara o horizonte é diferenciada. O olhar dela admira a natureza, que também teme, e é até bacana perceber como Tyler é a versão dela ontem. Uma pessoa apaixonada a ponto de tomar atitudes irresponsáveis, acreditando ser possível domar uma natureza ainda mais agressiva, em função das mudanças climáticas mundiais. E a evidência do talento da atriz é percebida pela direção, que opta em closes no seu rosto como um retrato suficiente do efeito destrutivo dos furacões (“Ela é a sua história”, uma afirmação que funciona dentro e fora da narrativa). Até mesmo o romance - que é uma exigência inevitável - é mais autêntico do que protocolar, por causa dela e, em menor grau, da atuação de Glen, que não tem maiores dificuldades em dar vida a Tyler.
Entretanto, é a consciência social da narrativa que mais me surpreendeu. É esperado, considerado o antagonismo presente no roteiro, que houvesse um enfoque no cenário apocalíptico das pessoas que perderam seus bens. Só que Chung evita apostar em um choque exploratório e substitui isto por um olhar empático e sensível àquela tragédia. E é ainda interessante como, a partir de quatro personagens centrais (Kate, Tyler, Javi e Scott, interpretado por David Corenswet, o novo Super-Home), haja uma visão bem completa da forma como a humanidade reage à natureza e explora a ciência. Se Kate caçava furacões para “fazer a diferença” e Tyler para obter curtidas e comentários, Javi faz com um pensamento capitalista e um vestígio de humanidade totalmente ausente em Scott, que, para não deixar nenhuma dúvida, grita “Danem-se as pessoas”. (É este o Super-Homem de vocês?, risos). A realidade é que Twisters, mais do que o antecessor, preocupa-se com gente, não em lucrar com tragédias, embora o faça simbolicamente.
E, apesar de a direção desperdiçar em termos formais e estilísticos o drone que existe dentro da narrativa, é interessante perceber como, no cinema contemporâneo, não é mais sobre sobreviver ao furacão, sentir a adrenalina ou estudá-lo, mas sobre domá-lo ou derrotá-lo. O furacão é revelado como monstro, igual à criatura de Frankenstein. Só que, na realidade, é apenas reflexo de seu criador. Se no clássico do horror o monstro é Victor Frankenstein, que ousou brincar de deus, em Twisters, o monstro somos nós, no momento em que exploramos as tragédias naturais (recordam das fraudes na licitação para ajuda ao Rio Grande do Sul?), e quando ignoramos os alertas dados pela natureza.
Twisters é um blockbuster maduro que ensina que é possível produzir entretenimento e espetáculo sem negligenciar personagens e história no processo.
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