Nostalgia é uma emoção gentil (enquanto escrevo, lembro de sua representação em Divertida Mente 2), uma brisa agradável do que havia nos divertido, emocionado ou transformado cuja lembrança transporta o espírito àquele período, embora o corpo permaneça firme no agora. Um Tira da Pesada 4 não é o primeiro, nem será o último filme a explorar a nostalgia, mas até onde essa emoção é um alicerce suficiente para sustentar um filme? E quando me refiro à nostalgia, estou aludindo à consciência de que, 4 décadas após o original, para que a continuação funcionasse fosse necessário resgatar praticamente o elenco original - Judge Reinhold, John Ashton, Paul Reiser e até Bronson Pinchot - e repetir incessantemente a canção de Glenn Frey (The Heat is On) ou o tema composto por Harold Faltermeyer para estimular a citada emoção, em vez de criar memórias contemporâneas que se transformariam em nostalgia amanhã (ei, já temos uma antagonista em Divertida Mente 3, a nostalgia!).
Contudo, o resgate não é um problema propriamente dito, mas é a forma com que a narrativa escora-se nele quando procura uma saída de um beco sem saída dramático. Tudo volta a ser pela nostalgia, e chega um instante que incomoda no roteiro há tanto tempo cozinhado nos corredores de Hollywood. A premissa obriga, novamente, Axel Foley (Eddie Murphy) a viajar de Detroit a Beverly Hills, após descobrir que sua filha, a advogada Jane (Taylour Paige), com quem não fala há anos, está envolvida em uma enrascada após decidir defender gratuitamente um homem acusado de ser o matador do cartel contratado para assassinar um policial. Entre encontros com os personagens do original, as perseguições de carro e a descoberta de que, na realidade, o responsável pelo assassinato é o policial corrupto Grant (Kevin Bacon), Axel tenta reatar laços com a filha.
A terapia não funciona. Um porque é meramente protocolar, não há nada convincente senão o fato de Axel e Jane terem interesses comuns no desenrolar da investigação por razões diferentes, de forma que o drama pai e filha parece ser um enxerto na narrativa. Dois porque o roteiro não ajuda e artificializa Jane como a antítese paterna, ainda que o fruto não caía muito longe da árvore, e a justificativa dela terminar o relacionamento com Bobby (Joseph Gordon-Levitt, apagadinho) por ser um policial apenas sacramenta o que estou dizendo. Três porque o amadurecimento da relação pai e filha é previsível, e a cada batida do roteiro, a gente pode imaginar o que acontecerá cinco movimentos à frente. E pelo fato de haver ênfase significativa em Jane, Um Tira da Pesada 4 padece sempre que tem que desenvolver este núcleo. Talvez por isso que o melhor instante da dupla seja quando estão interpretando interesse em uma mansão, mas aí é muito mais pela presença de Serge.
O melhor de Um Tira da Pesada 4 está na sua nostalgia, e o que isto quer dizer eu deixo a critério de vocês. É agradável o reencontro com o agora comissário John Ashton, que continua resmungão, ou com Billy, mesmo que a participação do ator seja reduzida em função do roteiro. A nostalgia é fim, não premissa ou caminho. É também o sintoma de que o roteiro não confia no que tem a oferecer (e há muita coisa bacana), mas prefere a segurança de uma fórmula, afora ser uma evidência de uma época em que parte das pessoas procuram um refúgio no passado, mais simples, para evitar um encontro com o presente, mais complexo. Nostalgia funciona, vende mas também frustra, pois nega o amadurecimento de Axel Foley (que permanece invariavelmente o mesmo).
Frustra mais ainda porque impede que o filme seja a sua melhor versão: um aceno ao cinema de ação oitentista, mas que questiona as suas convenções com bom humor: quem lembra quantas vezes um policial parou um cidadão no meio da rua e confiscou o veículo que dirigia para uma perseguição? E, talvez em razão da minha idade, é fácil perceber e divertir-se com o absurdo que é a quantidade de propriedade destruída só para aplacar o desejo imaturo de Axel por ação, o “clássico Foley”. A propósito, quanto desperdício que o roteiro dedique apenas meia dúzia de diálogos para compreender o que move o protagonista à frente, sua falta de pragmatismo, seu vício em adrenalina e sua retidão ética, ou mesmo o impacto de 40 anos na atitude e comportamento de Axel.
Aliás, eu curto a oposição que há entre Axel e Grant - Kevin Bacon continua ótimo em interpretar vilões -, em como o último é uma versão corrompida (e branca) do primeiro materializado na frase ressentida “Eu não consigo pagar uma casa na cidade em que tomei um tiro”. E se joguei a carta racial, é porque Eddie Murphy brinca com isto na cena que acontece em um estádio de hóquei no gelo, e em como o ator esforça-se em modelar o seu humor dentro de um politicamente correto sem descaracterizar o seu personagem. A participação especial de Luis Guzmán como o chefe do narcotráfico parte Liberace parte Pablo Escobar é uma evidência de que a narrativa tensiona o humor na fronteira do tolerável, embora não acerte sempre. É Axel, ou seria o próprio Eddie?, que afirma estar exausto em frente à recepcionista do hotel.
Aí está o mal da nostalgia, a meus olhos. Ao abraçar muito o passado, impede o hoje de respirar. Axel comete um equívoco iniciante (a sua imagem é refletida na carroceira de um carro) e é Bobby que o salva. A faísca que incandesce o espírito do personagem já é mais rarefeita, só que a narrativa prefere fechar o olhar a isto do que investigar as suas possibilidades.
E se não falei, até agora, no diretor estreante Mark Molloy, é que ele é a cereja no bolo do filme burocrático que é Um Tira na Pesada 4. Incapaz de uma decisão minimamente interessante, Mark é o tipo de cineasta que, não satisfeito em afastar a câmera em um plano objetivo, sublinha expositivamente o que está fazendo: “Estamos sendo seguidos”, comenta Axel. A sua ação parece mais o trabalho do coordenador de dublês ou mesmo do diretor de segunda unidade. É uma direção quase, do mesmo modo que Um Tira da Pesada 4 é uma quase boa comédia de ação que poderia ser melhor se deixasse as boas ideias assumirem o controle com mais frequência do que a nostalgia.
Um Tira da Pesada 4 está disponível no catálogo da Netflix.