O longa-metragem de estreia da diretora e roteirista Celine Song, Vidas Passadas, é um romance dramático sensivelmente autobiográfico. Certo dia, Celine estava no bar com o marido norte-americano e um ex-namorado sul-coreano da juventude, momento que relatou em uma entrevista:
“Você percebe que está bebendo com seu passado, presente e futuro no bar. E tive a sensação de que este não é um sentimento único; tive a sensação de que esse é um sentimento que muitos de nós já tivemos antes”.
Com base nesse acontecimento, Celine especulou a história de Nora Moon, imigrante sul-coreana em Nova York, que se reencontrou com o ‘namoradinho’ de quando tinha 12 anos, Hae Sung. Aos 36 anos, Nora está casada com Arthur, bastante inseguro com o reencontro, mas compreensível com o fato de que a esposa deve apropriadamente se despedir não apenas de Hae Sung, e sim de uma parte de seu passado de que não pôde se despedir adequadamente quando a encruzilhada da vida a levou para direção outra.
Vidas Passadas conquistou duas indicações ao Oscar, Melhor Filme e Melhor Roteiro Original, e apesar de ser o trabalho de estreia de Celine na direção, já revela para nós um trabalho singelo, poético e eficiente em decupagem. E é sobre isto que falaremos hoje. A decupagem do momento em que Hae Sung e Arthur se conhecem. Antes, uma curiosidade: Celine Song proibiu os atores John Magaro e Teo Yoo de se conhecerem antes de filmarem essa cena, para que a tensão e o desconforto do primeiro encontro fossem mais visíveis.
Na versão final, a diretora optou pela primeira tomada, contornando uma dificuldade na atuação teatral:
“A parte mais difícil da atuação teatral é repetir as mesmas falas e repetir as mesmas ações e repetir as mesmas deixas e repetir todas as marcações como se fosse a primeira vez. Eu sabia que, no cinema, você poderia tirar proveito de ser a primeira vez”.
Vamos à cena.
Depois de realizar um passeio turístico pela cidade de Nova York, Nora leva Hae Sung à sua casa onde Arthur está aguardando.
Na imagem 1, Arthur está sentado encerando o lado esquerdo da imagem, enquanto, no pano de fundo, Nora e Hae Sung chegam no apartamento. A orientação da imagem é importante porque Celine Song explora os movimentos de progresso e retrocesso, de presente e passado, na movimentação dos personagens dentro do quadro ou para onde os personagens encaram na imagem. Olhar para a esquerda é antinatural, na lógica do pensamento ocidental (que Nora afirma possuir ao se comparar com Hae Sung), e essa qualidade acentua a tensão da cena.
A imagem 2.a registra a chegada de Nora e Hae Sung e com o movimento panorâmico da câmera - que reproduz o ato de virar a cabeça para trás - o aparecimento de Arthur, em foco, mas no fundo do quadro, na imagem 2.b. O desconforto é melhor percebido a partir do silêncio explorado na cena, e que você poderá ver ao fim da postagem.
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