Acossado (1960)
Embora Os Incompreendidos - que em breve indicarei - tenha inaugurado a Nouvelle Vague um ano antes deste, talvez a obra de Jean-Luc Godard seja significativamente mais importante para o cinema do que o clássico de François Truffaut. Acossado é a porta de entrada para o cinema modernista, que Cidadão Kane havia entreaberto e pela fresta espiado.
É um filme de gênero: um crime noir com elementos existencialistas. No entanto, o que o torna moderno é a maneira com que Jean-Luc Godard abdica de princípios clássicos do cinema narrativo, em favor de uma experiência originalmente fragmentada. Não há na jornada do ladrão de carros e, depois, assassino de policial Michel Poiccard (vivido por Jean Paul Belmondo) nada que não houvéssemos ou pudéssemos haver visto antes, senão na forma com que esta jornada é delineada ao espectador. E aí é que reside toda a riqueza de Acossado: pegar a linguagem do cinema e perguntar-se “Por que eu tenho que obedecer essas regras se posso trabalhá-las assim?”.
Vidas Secas (1963)
Não tenho embaraço em confessar alguma antipatia com a figura de Glauber Rocha, e creio que esse é um sentimento que o diretor e pensador cinema novista pretendia fomentar em quem ouvisse suas opiniões acaloradas ou lesse seus manifestos. Mas não me entenda mal, eu admiro muito o cinema de Glauber, é a persona que trava na hora de descer goela abaixo. Para mim, é o exato oposto de Nelson Pereira dos Santos, meu diretor clássico brasileiro favorito, que sempre aparentou, nas entrevistas e nos filmes que dirigiu, um manancial de doçura e humildade.
Vidas Secas é um dos filmes brasileiros essenciais. Adaptado a partir da obra escrita pelo alagoano Graciliano Ramos, é fiel em termos de narrativa, embora rearranje os episódios da narrativa de forma cinematográfica. É a história dos retirantes Fabiano, Sinhá Vitória, seus dois filhos e a cadelinha vira-lata Baleia pelo sertão alagoano em busca de se tornarem gente (o sinônimo de dignidade). Além de ter sido convidado a disputar o Festival de Cannes, quando o país era quem submetia o seu representante (havia sido escolhido Deus e o Diabo na Terra do Sol), é uma obra que prima (nossa, há tanto tempo que não usava este verbo que julgava/julgo ser tão pobrezinho) em como retrata a escassez: é na trilha sonora, é na fotografia, é no tempo, é nos afetos.
Quanto Mais Quente Melhor (1959)
Hoje eu estava assistindo à comédia Ricky Stanicky, de Peter Farrelly, que ao lado do irmão, Bobby, dirigiu Quem Vai Ficar com Mary?, Debi & Loide e, solo, Green Book: O Guia. Gostei do filme, que é uma daquelas comédias estruturadas em torno de uma mentira e fiquei pensando: “Puxa, por que Hollywood nunca leva a mentira até o fim, por que estes filmes sempre precisam ter o momento da revelação?”. Aí lembrei deste clássico de Billy Wilder, provavelmente um top 5 de melhores comédias de todos os tempos.
O roteiro fala de dois músicos, Joe e Jerry, vividos por Tony Curtis e Jack Lemmon, que, depois de serem testemunhas oculares de um crime cometido pela máfia, fogem. Mas não é uma fuga qualquer, não senhor. Eles se vestem de mulheres e se escondem dentro do grupo musical em que está Sugar Kane (Marilyn Monroe). É óbvio que, uma hora, o disfarce será revelado, certo? A mentira tem perna curta, mas a Hollywood de ontem era menos careta. Se comédias contemporâneas que envolvem mentiras usam a descoberta como o gancho para a conclusão redentora dos personagens, Quanto Mais Quente Melhor usa para maximizar, até a cena final, o potencial cômico da premissa. Um filme que emprega a lógica do punch line literalmente até o quadro final.
Edição anterior:
só dica preciosa, como sou "jovem", pretendo ver todos quando me aposentar, antes de morrer é claro kkkk.