Após o Festival de Cannes e de uma viagem que precisei realizar na segunda-feira, está na hora de retornar com este projeto, desta vez com a adição do diretor Pedro Diógenes e do ator Démick Lopes, de A Filha do Palhaço, e também uma remissão indispensável deste que vos fala.
A Mulher de Todos (1969), de Rogério Sganzerla
É um dos clássico do movimento denominado Cinema Marginal, em que Rogério Sganzerla dirige a sua musa, Helena Ignez, no papel protagonista de Ângela Carne e Osso, uma mulher que seduz os homens onde quer que passe. Stênio Garcia, Antônio Pitanga, Paulo Villaça e até mesmo o comediante Jô Soares.
A Mulher de Todos finalmente rompe definitivamente com a estética cinemanovista a partir da degradação de uma burguesia decadente e retrógrada, que havia assumido os rumos do país através de um Golpe de Estado, e da apropriação de uma estética kitsch e intermidiática.
Asas do Desejo (Der Himmel über Berlin, 1988), de Wim Wenders
Dois anjos, Damiel e Cassiel, passam a vida observando e contemplando a vida dos habitantes de Berlim, sem jamais sentir, de fato, o gosto e cheiro das coisas, as cores desse mundo, os signos da existência. Até Damiel apaixonar-se por Marion, e, ainda que brevemente, ter um relance da vida humana e desejá-la para si, ameaçando a sua eternidade em função da efemeridade da existência.
Uma das obras maiores de Wim Wenders é um discurso existencialista e emocionante em favor da vida, apesar do tempo curto que temos para vivê-la. A obra é marcada pela atuação de Bruno Ganz, bem como por de Otto Sander, que reflete os poemas do poeta Homero. Peter Falk, o Columbo, interpreta a si mesmo, enquanto Solveig Dommartin justifica a razão por que Damiel sonha em cair.
O Piano (The Piano, 1993), de Jane Campion
De muitas formas, o romance erótico gótico dirigido pela neozelandesa Jane Campion é uma obra transgressora. É apenas a segunda vez em que uma diretora foi indicada ao Oscar de Melhor Direção, e a primeira vez em que uma mulher conquistou a Palma de Ouro no Festival de Cannes (ainda que empatada com Adeus, Minha Concubina). Mais do que isto, é uma obra transgressora por causa de sua protagonista, Ada, interpretada magnificamente por Holly Hunter, que não permite que os seus desejos curvem-se à vontade da sociedade patriarcal e colonialista da era vitoriana.
E, acima de tudo, é uma obra transgressora porque rejeita o desfecho pedagógico, tão comum em matéria de filmes para mulheres, em que estas rompem com as tradições e moral da sociedade patriarcal apenas para serem punidas como consequência. Ada é uma sobrevivente dentro de uma trajetória de renascimento para a vida, aquisição da voz e do comando de seus próprios desejos.
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