Os projetos que criamos amadurecem meio que como crianças amadurecem em adolescentes. No início, esta que é a lista das listas seria alimentada com aqueles filmes e só aqueles filmes que julgava essenciais para vocês. Até ter uma ideia, de pedir para os artistas que tenho entrevistado (não estão sabendo que agora estou entrevistando diretores e atores regularmente?) que também contribuam com esta lista e, quando me espantei, a lista tomou outra feição, até mais atraente, de ter a identidade de cada artista nos filmes que indicam. Agora há mesmo filmes que eu (ainda) não tive a oportunidade de assistir, e isto me encanta.
Esta semana, antes da viagem ao Festival de Cannes, bati papo com equipe e elenco de Vermelho Monet, A Filha do Palhaço e Meu Sangue Ferve Por Você (infelizmente não pude coletar, por questão de tempo, os filmes de Paulo Machline e do ator Filipe Bragança). Antes de dar uma pausa na lista para a cobertura do Festival de Cannes, vou revelar os filmes que o diretor Halder Gomes e o ator Chico Diaz trouxeram para vocês.
A Bela Intrigante (La Belle Noiseuse, 1991), de Jacques Rivette
Jacques Rivette é um dos personagens mais intrigantes da história do cinema francês, desde quando integrou o coletivo crítico da Cahiers du Cinéma, onde foi redator-chefe, até integrar a Nouvelle Vague, de um jeito mais intelectual e equilibrado do que Godard ou Truffaut. Rivette talvez apenas tenha integrado, pra valer, o movimento que mudou a cara do cinema com Paris nos Pertence (1961), quando já expunha um estilo de cinema teatralmente introspectivo. Eu até compreendo a sugestão de Halder Gomes deste A Bela Intrigante, que deve ter sido um filme que o inspirou em Vermelho Monet.
O filme vencedor do Grande Prêmio do Júri do Festival de Cannes de 1991, o 2º lugar, tem Michel Piccoli no papel protagonista de um pintor sexagenário aposentado diante da pintura, inacabada, para a qual sua esposa, interpretada por Jane Birkin, havia modelado.
Février (2020), de Kamen Kalev
Apesar de o ator Chico Diaz ter comentado tratar-se de um filme romeno, as minhas pesquisas levaram-me apenas a este Février, que é búlgaro na realidade, foi exibido no Festival de Cinema de Lisboa, de 2021, e cuja sinopse, bastante enxuta, é semelhante àquela que o ator mencionou: a jornada épica de um homem aos oito, dezoito e oitenta e dois anos. Eu não conheço o filme, confesso. Ele tem a direção de Kamen Kalev, que dirigiu um segmento de As Pontes de Saravejo (2014) e da coprodução França e Búlgara Tête baissée (2015). É o tipo de obra que iremos conhecer juntos.
Madadayo (1993), de Akira Kurosawa
Chico também adicionou Madadayo, a obra derradeira do mestre Akira Kurosawa, e que eu inadvertidamente havia advertido chamar-se Viver no título brasileiro. Lapso justificado pela refilmagem dirigida por Oliver Hermanus, estrelada por Bill Nighy, ambientada na Inglaterra da década de 50, ter esse título.
Madadayo acompanha a alvorada da vida de um professor universitário, aposentado durante a 2ª Guerra Mundial. Em vez de sucumbir à desilusão do Japão devastado, o professor celebra o seu aniversário ao lado dos estudantes que o admiram e reflete a respeito da vida de um jeito melancólico até, mas não derrotado. É uma obra sobre o tempo, o tempo que chega a todos, o tempo de encarar as realizações do passado ou talvez os sonhos não concretizados, aceitar-se e se perdoar, e quem sabe até celebrar uma vida inteira.
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