Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças (2004), de Michel Gondry
Esse romance / ficção científica é um dos maiores diagnósticos da sociedade pós-2000. Uma evidência do adoecimento e depressão de uma sociedade ávida em esquecer para não sofrer, não chorar, não definhar. Eu lembrei do filme enquanto assistia à comédia romântica fantástica Evidências do Amor, de Pedro Antônio, com Sandy Leah e Fábio Porchat. Lembrei de uma fala dela no filme de que “as memórias são um lugar seguro” e reflito que mesmo as mais dolorosas são seguras. Esta segurança advém do fato de que as memórias, até as fabricadas, têm início, meio e fim e existem para aprendermos, em vez de insistir no cometimento dos mesmos erros.
Através de um procedimento clínico, Joel Barrish (Jim Carrey) e Clementine (Kate Winslet) optaram por esquecer e apagar as memórias ruins do relacionamento e, com isto, esquecer os momentos bons e ainda o aprendizado que o relacionamento trouxe. É um roteiro inventivo, de trás para frente, do término ao primeiro encontro e beijo de pessoas desgarradas, que precisavam de ajuda profissional, é verdade!, porém que têm muito amor para dar aos outros contanto que, no caminho, aprendam a dar amor a si mesmos e aceitar o amor que recebem em troca. É um de meus filmes de cabeceira, com uma direção caprichadíssima de Michel Gondry, personagens coadjuvantes enriquecedores e a promessa de que você jamais esquecerá do filme.
Uma Cilada para Roger Rabbit (1988), de Robert Zemeckis
Se tem dois filmes que recordo de ver abundantemente na adolescência, estes foram Dick Tracy e Uma Cilada para Roger Rabbit, não coincidentemente dois trabalhos noir que resgatavam o que o estilo tinha de melhor: o caráter dúbio dos personagens, uma certa ansiedade do protagonista e um crime ou mistério para ser resolvido. Eu adoro que tenham adaptado a sensibilidade do filme noir ao público jovem adulto com estes filmes e credito, a ambos, o amor que construiu com um estilo confundido por gênero. Sim, noir não é gênero, embora possa ser enxergado como um ciclo dentro do cinema hollywoodiano da Era de Ouro e representativo da ansiedade coletiva da sociedade norte-americana, pós depressão econômica, depois no período de vigência do Código de Produção (o Hays Code), da caça às bruxas e da Guerra Fria…
Falei demais de outras coisa e não do filme, não o primeiro mas, naquele momento, o que melhor combinou live-action com animação. É um filme que dá gosto de assistir a partir dos bastidores idealizados por Robert Zemeckis para encenar a investigação do Detetive Eddie Valiant (Bob Hoskins). Ele precisa descobrir quem matou o marido de Jessica Rabbit, acusada de infidelidade, e tem, por companhia, o coelho Roger Rabbit. Fora a técnica - estarrecedora ontem e também hoje -, a atuação de Hoskins e o crime que proporciona um dos jovens exemplos de plot twist, Uma Cilada para Roger Rabbit é ainda uma delícia de comédia policial, do início ao fim.
Mad Max (1979), de George Miller
Anteontem, escrevi sobre Confusão em Paris (1974), o ponto de partida para ozploitation e o culto automobilístico no cinema australiano que desaguaria no clássico Mad Max, 5 anos depois. Esqueça Mad Max: Estrada da Fúria, que em breve ganha menção nesta lista, o original é igualmente violento, mas significativamente menos estilizado. É um filme de vingança, ambientado em uma distopia em que lei e ordem foram derrotadas pela crise hídrica, e apenas resta ao protagonista, Max Rockatansky, o desejo de matar a gangue que assassinou sua esposa e seu filho.
Mad Max está inserido dentro de um contexto local, o outback australiano, embora, em termos de história do cinema, dentro de um contexto mais amplo em que a vingança e o justiçamento se revelaram as armas restantes para restituir a civilidade na sociedade ou, ao menos, para aplacar a fúria incandescente que arde no espírito do protagonista. Mel Gibson está em dos papéis de sua vida (ele tem outros), e acrescenta a virilidade e inconsequência típicos de sua persona cinematográfica em uma obra de excelência do fim dos anos 70.
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