Diferentemente das semanas anteriores em que o listão teve a colaboração da equipe dos filmes, não houve entrevistas nesta semana então as indicações serão as minhas.
O Iluminado (The Shining, 1980), de Stanley Kubrick
Na semana passada, morreu a atriz Shelley Duvall que interpretou Wendy Torrance no clássico do horror dirigido por Stanley Kubrick adaptado do livro de Stephen King. Só inspirado, alguns diriam, porque Kubrick mudou tudo o que pôde mudar (para melhor) em sua história sobre um hotel mal assombrado, o Overlook, e o enlouquecimento do escritor contratado para ser o zelador da propriedade durante o inverno rigoroso, Jack Torrance, interpretado por Jack Nicholson em uma de suas atuações mais icônicas.
O Iluminado é uma obra-prima que amo rever e cujos bastidores amo visitar (o que é a praxe no cinema perfeccionista de Kubrick, diretor rigorosamente atento aos mínimos detalhes que perfazem uma produção). Jack, Shelley e também Scatman Crothers estão ótimos em seus personagens, mas o melhor é assistir ao diretor animar o hotel a partir de corredores extensos e labirínticos, de formas, texturas e fantasmas que aterrorizam e povoam aquele cenário insólito.
O Equilibrista (Man on Wire, 2008), de James Marsh
Eu tive dificuldade para começar a gostar de documentários, mas depois de atravessar a fronteira que me prendia na ficção, cai de amores pelo gênero (prefiro chamar de tipo de filme). Aproveito e recomendo a leitura do livro Introdução ao Documentário por Bill Nichols. Bem, O Equilibrista foi um dos documentários que me auxiliou a vencer o meu preconceito com documentários. É um estudo de personagem apaixonante sobre o que move um homem, Phillippe Petit, a desafiar o bom senso e a gravidade para atravessar o vão que separava as torres gêmeas do World Trade Center.
Além de tudo, é um heist movie, aquele tipo de filme em que um personagem planeja um crime (normalmente um furto ou roubo) nos mínimos detalhes até executá-lo com precisão absoluta. O Equilibrista venceu o Oscar de Melhor Documentário, com louvor.
A Viagem de Chihiro (千と千尋の神隠し, 2001), de Hayao Miyazaki
Esse é outro ‘primeiro’ na minha vida, o primeiro anime que assisti do mestre Hayao Miyazaki e que me abriu a portão do mundo fantástico da Ghibli. Após ser premiado com o Oscar de Melhor Animação, lembro que não havia estreado na minha cidade e somente pude assistir nas locadoras meses depois, A Viagem de Chihiro fomentou um desejo de explorar todos os animes (de Hayao ou não) disponíveis na locadora que eu frequentava. Pensando em retrospecto, é o tipo de poder que as premiações têm, a de estimular que espectadores médios (eu naquela época) explorem cinematografias que vão bem além da zona de conforto.
Pois Chihiro não é nada parecido com as animações da Disney e da Dreamworks (que havia lançado Shrek no ano anterior). Hayao pode até ter Walt Disney como inspiração mas as suas animações tensionam a fantasia dentro da fábrica da realidade com muito mais potência do que as animações contemporâneas da Disney. Elas instigam a sonhar sonhos que não imaginávamos possíveis, dialogam sobre o meio ambiente e o respeito e fazem isto com um maravilhamento intransponível em palavras. A Viagem de Chihiro aniversariou e nem é o melhor filme do diretor para mim.
Retrato de uma Jovem em Chamas (Portrait de la jeune fille en feu, 2019), de Céline Sciamma
Presença praticamente obrigatória na lista de melhores filmes deste século, Retrato de uma Jovem em Chamas retrata o romance arrebatador, embora fugidio, entre Marianne (Noémie Merlant), contratada para pintar um retrato de casamento de Héloïse (Adèle Haenel). Ela finge ser uma dama de companhia para ‘roubar’, pelo olhar, as nuances e os detalhes da fisionomia de Héloïse. Inevitavelmente, a voyeur e o objeto do olhar se apaixonam, e o jogo de poder da poética do olhar que se apropria do outro é repensada dentro de um equilíbrio de forças. Agora, a voyeur é também observada quando o seu objeto de olhar consente.
Além de apaixonante apenas por ser a história de um amor proibido, e quem não ama histórias iguais a esta quando contadas com a paixão de uma brasa que queima e nem percebemos, é também um filme sobre o poder do olhar manifestado pela câmera de cinema. O olhar que eterniza e inscreve, na memória, o amor do passado. O olhar em suas minúcias, o olhar multidimensional, o olhar de quem ama e de quem é amada.
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